Os milhões de passageiros do sistema de metrô e trens suburbanos de Paris terão a companhia de um brasileiro neste verão. É o escritor Leonardo Tonus, professor de literatura brasileira na Universidade Sorbonne e vencedor do concurso de poesias promovido pela RATP, nome da empresa que administra os transportes da capital francesa.
Em 2023, Leonardo foi o vencedor do Grande Prêmio de Poesia da RATP. E, em junho de 2024, ele foi anunciado como o vencedor da edição especial do Prêmio - que elegeu o melhor poema entre os laureados dos anos anteriores, uma espécia de ‘super prêmio’. Ele passou por uma pré-seleção do júri nomeado pela empresa e, depois, foi escolhido por voto popular dos internautas e usuários dos transportes que votaram pela internet.
Leia o poema vencedor do concurso:
Um gesto
diante da inutilidade do gesto
resta a escrita de uma urgência.
de fazermos pouco,
mas com todas as nossas forças.
“O que mais me interessava era meu texto estar em um espaço público”, contou Leonardo. “O que quer um escritor? Sobretudo, ser lido. Essa é a grande jogada desse prêmio, é tranformar um espaço muitas vezes desagradável em um espaço de distração, descompressão, fruição”, explica o escritor. Ele se refere às estações e aos trens do sistema de transporte, onde o poema estará disponível durante o verão, entre os dias 18 e 25 de julho de acordo com reportagem da Rádio France Internationale.
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Pandemia
A poesia que venceu o concurso foi escrita durante a pandemia. Em francês? “Não, nasceu inicialmente em português, minha língua materna”, explicou o autor, que fez uma ‘auto recriação’ da própria escrita ao traduzi-la para o francês. “Depois de 35 anos vivendo na França, eu diria que não escrevo em português, é o ‘meu português’. Ele é atravessado por uma estrutura sintática francesa, por uma melodia francesa, por um jeito de falar francês. Talvez por isso tenha sido tão fácil traduzir, as duas línguas me atravessam cotidianamente”, completou.
Chamado “Um gesto”, o poema nasce da impossibilidade do encontro e da convivência. “Diante da impossibilidade, o que nos resta é a escrita”, explica o autor, que conclama ao fim do isolamento e à união para repensarmos o mundo.
Perguntando sobre a recepção do público francês, Leonardo explica que foram múltiplas interpretações. Curioso, ele acompanhou nas redes sociais as postagens sobre o texto e disse que houve muitas associações a filósofos franceses. A escritora Amélie Nothomb, que foi presidente do júri de 2024, disse que ele tem algo de ‘hai-kai’ (estrutura poética japonesa conhecida por ser sintética). Leonardo se encanta com essa multiplicidade de leituras que o poema sintético propõe, que só é completado pela ação e postura do leitor.
Tradição cultural
O prêmio da RATP já teve 10 edições, com mais de 80 mil concorrente segundo a empresa. Anualmente, os poemas escolhidos são mostrados em 4.600 pontos diferentes nas estações e também dentro dos trens. Com isso, mais de 6 milhões de pessoas têm acesso à poesia enquanto fazem seus deslocamentos cotidianos. Os 100 melhores poemas entre os recebidos são publicados em uma coletânea da editora Gallimard, uma das maiores e mais conhecidas da França.
Leonardo lembra que a ligação do metrô de Paris com as artes é antiga. No início do Século XX, por exemplo, foram criadas as entradas das estações no estilo ‘Art Nouveau’, com a assinatura de Hector Guimard. “Há estações decoradas por artistas plásticos e, de uns 20 anos pra cá, foi intensificada essa relação com a literatura. Fazem eventos, quando são afixados poemas, e também leituras públicas de grandes autores franceses ou internacionais”, conta o escritor.
“Pensar que alguém vai tirar os olhos do celular, talvez 3 minutos, e vai parar no seu texto, acho isso de extrema generosidade. A leitura é um ato de generosidade. Me sinto feliz, honrado”, diz Leonardo.
Inspirações
Em quem o poeta se inspira? Leonardo conta que nas poetas brasileiras Ana Martins Marques, Maria Esther Maciel e Andrana Lisboa. “São essas mulheres que me inspiram essa capacidade de síntese, de uma clareza, uma limpidez do texto mas cheia de abertura, lacunas, túneis, me sinto livre”, diz. Entre os franceses, gosta da musicalidade de Rimbaud e Baudellaire.
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Há 35 anos na França, Leonardo conta que chegou aos 21 anos, em 1988. Da formação em música e alemão, foi para a área de Letras. No país, fez mestrado, doutorado e se tornou professor de universidades. Atualmente está na Sorbonne e, no início do próximo ano acadêmico, vai se transferir para a Universidade Sorbonne Nouvelle. Meio francês, meio brasileiro, ele segue escrevendo em duas línguas e publicando nos dois países.