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Dez anos de casamento homoafetivo no Brasil: resolução oficializa o amor, garante direitos e protege casais

Publicada em 14 de maio de 2013, resolução do CNJ obrigou cartórios de todo o país a celebrarem o casamento de casais do mesmo sexo

No dia 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça

O casamento é um importante passo na vida de um casal. É o momento em que dois indivíduos decidem formar uma família oficialmente perante a lei. Mas, mais do que uma questão burocrática, o matrimônio é uma celebração do amor entre duas pessoas. Amor como o da analista de sistemas Andréa Marugeiro, de 43 anos, e da fisioterapeuta Aline Duprath, de 36 anos, que decidiram se casar em 2019 depois de quatro anos juntas.

A união só foi possível graças a uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que autorizou o casamento homoafetivo no Brasil — medida que completa hoje dez anos. Para elas, o casamento representou uma oficialização do desejo de estarem juntas. “Foi bem emocionante assinar os papéis. Além de tudo, ainda quebramos um tabu. O cartório era aberto e nos casamos na frente de todo mundo, inclusive desconhecidos. Sentimos alguns olhares de reprovação. Mas foi importante porque naquela hora sentimos que também somos parte da sociedade, e é nosso direito”, lembra Andrea.

O casal espera agora a chegada de dois bebês. Aline está grávida de gêmeos: Leo e Melina. Para elas, o casamento civil também vai ajudar no registro das crianças, que terão o nome das duas mães na certidão. “Precisamos da certidão de casamento para fazer a fertilização in vitro e agora para registrar os bebês”, explica Andrea, mostrando como o papel não é apenas um instrumento burocrático.

2011: STF reconhece a união estável entre casais do mesmo sexo

Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por unanimidade, a união estável entre casais homoafetivos enquanto núcleo familiar. A decisão alterou o entendimento do Código Civil de que a família era formada por um homem e uma mulher. A partir do julgamento, o STF equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre casais heterossexuais.

Apesar do avanço, o casamento civil ainda não era permitido no país. Essa realidade mudou logo após o julgamento. Através de uma decisão inédita na justiça brasileira, em junho de 2011, o juiz Fernando Henrique Pinto, da 2ª Vara da Família e das Sucessões de Jacareí, no interior de São Paulo, converteu a união estável do casal Luiz André e José Sérgio em casamento.

A partir desse precedente jurídico, diversos casais pelo país buscaram a justiça para conseguir se casar. “Antes do casamento homoafetivo ser permitido no Brasil, os casais tinham primeiro que fazer a união estável e depois convertê-la judicialmente. O que não era sustentável a longo prazo, devido ao número de processos abertos que precisariam ser analisados pela justiça”, esclarece o advogado Caio Pedra, diretor da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-MG.

2013: Casamento homoafetivo é autorizado no Brasil

No dia 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou uma resolução que obrigava todos os cartórios do país a celebrarem o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A decisão também permitia que os Cartórios de Registro Civil convertessem uniões estáveis em casamento de forma direta, ou seja, sem precisar de uma autorização judicial.

Antes da resolução, muitos cartórios rejeitavam o pedido de união estável de casais homoafetivos. Por isso, além de garantir o direito ao casamento, o CNJ obrigou os cartórios a realizarem a união estável conforme a decisão do STF de 2011.

Segundo o levantamento “Cartório em Números” de 2022, da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG-BR), desde a resolução, já foram realizados 67.938 mil casamentos entre pessoas do mesmo sexo no país.

Oficialização garante importantes direitos

O casamento civil garantiu aos casais homoafetivos direitos como herança, comunhão parcial de bens, pensão alimentícia e previdenciária, licença médica e inclusão do companheiro como dependente em planos de saúde, entre outros benefícios.

Caio Pedra explica que, antes da decisão, os casais ficavam desprotegidos legalmente em caso de doença, separação e até morte. “Os casais tinham muita dificuldade de regular a situação familiar antes da decisão do CNJ. Em caso de morte era ainda mais difícil. Você tinha que provar que estavam juntos há anos e pedir uma união estável ‘post mortem’ (ou seja, após a morte de um dos companheiros)”, aponta o advogado.

Acontece que, sem o casamento legal, os bens iam para a família do morto. E como em muitas delas a união não era aceita, ficava ainda mais difícil reconhecer a relação. Foi esse medo de perder tudo o que estavam construindo que motivou o sargento da Polícia Militar Demer Gabriel, de 47 anos, e o cabeleireiro Maurício Morais, de 37 anos, a oficializarem o amor em 2018.

“A gente decidiu casar no civil depois que um amigo, que já estava em uma relação havia 9 anos, morreu. Como a renda do meu amigo era maior, todos os bens estavam no nome dele. Então, o marido ficou sem nada. Ele até entrou com o pedido de reconhecimento da união ‘post mortem’, mas até hoje o processo está na justiça”, relata Demer.

O policial conta que aquela história ficou na sua cabeça. Então, ele e o marido, juntos há dois anos, decidiram se casar. “A princípio ia ser só o casamento civil, mas foi aumentando a proporção. Acabamos fazendo uma festa linda para 350 convidados”, recorda o militar.

Em 2017, o STF decidiu que a união estável garantiria os mesmos direitos do casamento. Então, hoje, na prática, não muda muita coisa na hora de escolher em qual regime se casar. Mas, Caio acredita que, entre casais homossexuais, a opção pelo casamento é política. “É uma decisão simbólica, já que este direito foi conquistado há tão pouco tempo”, observa.

Celebração do amor

Assim como Demer e Gabriel e Andrea e Aline, muitos casais decidem comemorar a união para além da ida ao cartório. A decisão de celebrar o amor em uma festa para familiares e amigos vêm movimentando o mercado de casamentos. Empresas especializadas em realizar cerimônias para o público LGBTQIA+ surgiram desde a legalização da união.

Em Belo Horizonte, o cerimonialista Elismar de Jesus, de 42 anos, mais conhecido como Bobby, decidiu se especializar em atender casais homossexuais. “O mercado de casamento é muito tradicional e conservador. Quando os clientes iam procurar um cerimonial para fazer a festa, saíam frustrados. Muitas empresas mudavam a forma de atender depois de saber que era um casal homoafetivo. Algumas até mentiam que não tinham data só para não fazer o casamento”, conta.

Bobby seleciona com critério os fornecedores para proteger seus clientes do preconceito e da homofobia. “No início foi muito difícil encontrar fornecedores confiáveis. Como já tivemos várias experiências ruins, criei uma lista das empresas que posso contratar sem problemas e daquelas que não dá”, explica.

* sob supervisão de Enzo Menezes

Fernanda Rodrigues é repórter da Itatiaia. Graduada em Jornalismo e Relações Internacionais, cobre principalmente Brasil e Mundo.