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Casamento de prefeito com adolescente de 16 anos é alvo de críticas por especialistas; saiba o porquê

Mas, afinal, há problema em um homem se relacionar com uma adolescente? Por que os homens escolhem mulheres mais novas?

Prefeito de cidade do Paraná se casou com adolescente de 16 anos e nomeou sogra

Casos como o do político Hissam Hussein Dehaini (Cidadania), prefeito de Araucária, no Paraná, que se casou com uma adolescente de 16 anos, ganham repercussão devido à grande diferença de idade entre eles. Entretanto, esse tipo de união é frequente.

O Brasil registra, em média, nove casamentos legais com adolescentes entre 16 e 17 anos por dia. As uniões informais com os menores de idade são ainda subnotificadas. Mas, afinal, há problema em um homem se relacionar com uma adolescente? Por que os homens escolhem mulheres mais novas? E quais são os impactos e as consequências dessas relações nas vidas das garotas?

A psicanalista Natália Marques e a psicóloga Nay Macedo (produtora de conteúdo sobre infância e adolescência) responderam às perguntas sobre os relacionamentos entre homens mais velhos e menores de idade.

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A lei brasileira prevê que maiores de 16 anos contraiam matrimônio; entretanto, o Código Civil do país determina que pais ou responsáveis destes menores de idade autorizem a união. O casamento com menores de 16 anos, por outro lado, é totalmente proibido, conforme a Lei 13.811, sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A legislação anterior admitia o casamento em caso de gravidez.

Quais os impactos da relação entre homens e adolescentes? Quais repercussões negativas um casamento pode ter para uma garota menor de idade?

Ainda que o Código Civil permita que adolescentes de 16 e 17 anos se casem, a psicanalista Natália Marques alerta para os impactos de uma relação entre um homem com grande diferença de idade para uma adolescente. “Não é porque está na lei que está certo. É muito complicado a gente falar sobre consentimento para um casamento com 16 anos. Essa pessoa está em processo de desenvolvimento. Quais são os impactos dessa decisão? Será que ela está confortável com a sexualidade dela? Será que existiu algum tipo de pressão para ela consentir?”, indaga.

Outra preocupação citada pela psicanalista é a possível relação abusiva que se dá entre mulheres mais jovens e homens mais velhos. Ela afirma que é, de fato, comum que se estabeleça uma relação de poder entre os dois com repercussões tóxicas para a garota. Não à toa, o banco de dados da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) indica que 6.335 garotas de até 17 anos denunciaram ter sido agredidas (sexual, patrimonial, psicológica ou fisicamente) por namorados ou maridos em Minas Gerais no período entre 2020 e 2022. Outras 2.985 sofreram violências cometidas pelos ex-companheiros.

“Nós precisamos alertar e resguardar essas meninas e adolescentes. Esse precisa ser um compromisso social de todos”, ponderou Natália.

Relações com menores de 14 anos são crime

O Código Penal brasileiro classifica como crime o abuso sexual de menores de 14 anos – seja conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso. Consumir e distribuir pornografia infantil também são atos enquadrados na lei do país. Apesar da legislação, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de exploração sexual de adolescentes e crianças. De acordo com o Observatório do Terceiro Setor, são cerca de 500 mil vítimas por ano no país.

Ter relações com menores de 14 anos é pedofilia. A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica a pedofilia como um transtorno de preferência sexual, e pedófilos são adultos que têm preferência sexual por crianças.

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A psicanalista Natália Marques detalha que, apesar da suposta repulsa da sociedade aos crimes sexuais contra crianças e adolescentes, a sociedade trata como normal estimular que crianças tenham comportamentos como os de mulheres adultas ou adolescentes – e que não condizem com a própria idade.

Esse fenômeno é tratado como “cultura da pedofilia”. Assim, a pedofilia é analisada como um problema social, e não como um diagnóstico médico – como descrito pela Organização de Saúde. Desta forma, para buscar soluções para os crimes sexuais, Natália sustenta que é necessário olhá-los como um problema de responsabilidade coletiva. “Quando a gente fala sobre a cultura da pedofilia, muitas pessoas acham que não existe. Mas, ela existe e a gente precisa falar sobre isso”, esclarece.

Um dos exemplos deste fenômeno é o emprego da frase “meninas amadurecem mais rápido”, como afirma Natália. “Temos a ideia de que meninas amadurecem mais cedo e os meninos amadurecem mais tarde. Ou seja, tratamos como se eles não soubessem o que estão fazendo, mas, as meninas, sim”, indica. “É como se (em casos de abuso sexual) a menina tivesse provocado e soubesse exatamente o que estava fazendo”, conclui.

Cultura da pedofilia e indústria da pornografia

Psicóloga ligada à infância e à adolescência, Nay Macedo defende que a cultura da pedofilia está estreitamente ligada à indústria da pornografia. Um estudo feito pela plataforma do site adulto PornHub indicou que a categoria de vídeos mais popular entre os usuários foi “Teen” (adolescente).

“É muito comum encontrarmos buscas por adolescentes nos sites de pornografia, mesmo que não sejam realmente adolescentes as protagonistas. Mas, são mulheres adultas interpretando meninas mais novas, atuando, por exemplo, com roupas de colegial”, detalha Macedo. Ela destaca ainda que essas mulheres adultas fantasiadas são infantilizadas – elas têm pele lisa, viçosa, seios firmes e corpos sem pêlos.

“A forte influência da pornografia traduz o desejável, o vulnerável, como o que é similar ao infantil. Isso gera um forte consumo e fomenta uma indústria lucrativa e crescente, que retroalimenta essa cultura”, afirma.

Cultura da pedofilia também está presente na televisão

Os espetáculos teatrais, os festivais de dança e música, as novelas e os filmes também reproduzem os conceitos da cultura da pedofilia a partir de narrativas entre homens adultos e adolescentes. Um dos exemplos foi o sucesso da história da personagem Maria Isis, interpretada por Marina Rui Barbosa, que se relacionava com o personagem Comendador, de Alexandre Nero, na novela Império. Na dramaturgia, apesar da grande diferença de idade, Maria Isis é apaixonada pelo Comendador e passa o dia à espera dele.

Outro exemplo é o casal Alex e Angel, interpretado por Rodrigo Lombardi e Camila Queiroz, em Verdades Secretas. A trama acontece em torno do trio romântico formado pela mãe de Angel, por ela – uma adolescente de 16 anos – e pelo padrasto. A novela apresenta cenas de sexo explícito entre a adolescente e o homem adulto e foi um sucesso, registrando recordes de audiência na TV Globo e angariando o prêmio de melhor novela no Emmy Internacional de 2016.

Diante disso, a psicóloga Nay Macedo destaca que as produções tendem a tratar as relações de poder-submissa como divertidas e sensuais. “Mas, na verdade, essas relações contam muitas vezes com a discrepância de maturidade, oportunidades e experiência de vida, tornando as jovens mais vulneráveis”, disse.

Ela destaca ainda como se tornaram comuns os memes que enaltecem esse tipo de relação com expressões como “pegar para criar”, “véio da lancha” e “sugar daddy”. Cenário semelhante se repete no universo musical, como indica a psicóloga. As letras misturam o comportamento sexual dos adultos com elementos da infância. “Nos clipes, vemos cenários cheios de brinquedos de crianças, roupas e penteados que remetem a esse universo, brincadeiras e cantigas ou termos como ‘bebê', ‘neném’, ‘papai’, ‘mamãe’, ‘colinho’, ‘novinha’. E justificamos tudo isso como uma expressão cultural”, conclui.

Formou-se em jornalismo pela PUC Minas e trabalhou como repórter do caderno de Gerais do jornal Estado de Minas. Na Itatiaia, cobre principalmente Cidades, Brasil e Mundo.