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Pesquisadores testam espécies do Cerrado para revegetar barragens de mineração

Estudo está sendo conduzido na mina Morro do Ouro, com foco na revegetação dos taludes

Estudo conduzido na mina Morro do Ouro possui foco na revegetação dos taludes

Uma pesquisa liderada pela Embrapa Cerrados (DF) está avaliando espécies nativas e exóticas adaptadas ao Cerrado mineiro para recuperar áreas degradadas por barragens de rejeito em Paracatu (MG). Realizada em parceria com a mineradora Kinross Gold Corporation, o objetivo é desenvolver um protocolo sustentável de revegetação que possa ser replicado em outras regiões do País.

O estudo, conduzido na mina Morro do Ouro, possui foco na revegetação dos taludes, estruturas inclinadas que contêm os rejeitos da mineração. O diagnóstico inicial feito pela Embrapa apontou solos ácidos, compactados, com baixa fertilidade, presença de metais tóxicos, pobres em matéria orgânica e baixa atividade microbiológica, um cenário pouco favorável ao crescimento vegetal.

“São ambientes hostis à vida vegetal e a escolha das espécies certas é decisiva para o sucesso da revegetação”, explicou a pesquisadora Leide Andrade, responsável pelo projeto. Segundo Gabriel Mendonça, gerente de Desenvolvimento Sustentável da Kinross, o acordo de cooperação técnica firmado com a Embrapa Cerrados em 2023 envolve a criação de protocolo definitivo de revegetação para taludes e estruturas de barragens.

De acordo com a legislação, a mineradora é obrigada a manter o solo coberto com vegetação, mas algumas restrições da própria legislação trazem desafios ao projeto, como ressalta a pesquisadora Fabiana Aquino, integrante do projeto. Ela explicou que as plantas não podem desenvolver raízes profundas, para não provocar rachaduras e desestabilizar o talude, também não podem ter parte aérea muito desenvolvida, para permitir a vistoria e a análise da condição do solo e da estrutura.

Experiência no campo

Experimentos foram instalados na área da mineradora para testar diferentes combinações de espécies para revegetação dos taludes, de adubação e práticas de manejo em campo. “Nossa meta é desenvolver um protocolo de revegetação que funcione nessas condições, para que possa ser adotado também em outros locais”, afirmou Andrade.

“Começamos nosso trabalho com a caracterização do solo, química, física e microbiológica, dos ambientes próximos à mina, de onde é retirado o subsolo para construção dos taludes. São áreas de cerradão e cerrado típico, com predominância de argila e silte, respectivamente”, contou o pesquisador da Embrapa Cícero Pereira, também participante do projeto.

A equipe de pesquisa identificou que algumas plantas utilizadas pela mineradora não são muito adaptadas às condições locais, resultando em uma cobertura não uniforme, algumas que produzem muita biomassa e outras que não se desenvolvem bem e sequer persistem na área.

Após estudos das sementes realizados nos laboratórios da Embrapa, as pesquisas se expandiram com a coleta de solos e plantas na área da barragem para caracterização ambiental. A coleta de solos foi coordenada pelo pesquisador Fábio Bueno. Já as coletas de sementes e plantas foram feitas por Aquino e pelo analista Zenilton Miranda.

Para os primeiros testes em campo, a equipe optou por uma composição de sementes que excluiu as gramíneas de clima temperado (aveia preta e azevém), manteve as espécies que se mostraram adaptadas às condições locais (estilosantes, braquiária humidicola e grama pensacola) e incluiu algumas espécies de leguminosas que ainda não haviam sido utilizadas pela mineradora.

Desafios e obstáculos da revegetação

Nos experimentos iniciados em Paracatu, a pesquisa revelou que espécies comuns na agricultura, como o milheto, embora usadas como cobertura verde, podem se tornar prejudiciais nas fases iniciais da revegetação, sufocando outras plantas de crescimento mais lento. Andrade explica que, com a quantidade de sementes de milheto semeada nos taludes, ele produziu muita massa, cresceu muito em altura e impediu a observação da superfície do talude.

A espécie ainda retardou o desenvolvimento dos estilosantes, da brachiaria humidicola e da grama pensacola. “Isso mostrou que mesmo uma espécie muito utilizada nas áreas de produção agrícola como cobertura de solo pode não proporcionar o mesmo efeito positivo em outro contexto”, ressaltou a pesquisadora Marina Vilela.

Os resultados ainda são preliminares, mas, a partir desses dados, foram feitos ajustes no protocolo de plantio e no desenho experimental, de forma a permitir maior controle sobre as variáveis ambientais e operacionais, como explica o estatístico Juaci Malaquias.

Outro obstáculo para a revegetação de ambientes minerados, apontado pela pesquisadora Leide Andrade, é a baixa qualidade e a pouca oferta de sementes no mercado de espécies adaptadas às condições edafoclimáticas do Cerrado. Apesar das dificuldades, os primeiros resultados já apontaram algumas espécies promissoras, capazes de se estabelecer mesmo em ambientes adversos, sinalizando caminhos possíveis para a revegetação da área.

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*Giulia Di Napoli colabora com reportagens para o portal da Itatiaia. Jornalista graduada pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.