Um novo insumo biológico (inoculante) de amplo espectro consegue atender pelo menos 31 espécies florestais
Das mais de 800 estirpes de rizóbio (bactérias do solo) isoladas pela Embrapa, duas foram selecionadas pela capacidade de estabelecer simbiose eficiente com 31 espécies florestais, cobrindo assim um leque expressivo de leguminosas nativas e de valor comercial. “Com essas estirpes, conseguiremos eliminar uma das principais barreiras à adoção dessa técnica em larga escala, que é a especificidade entre bactéria e planta hospedeira”, explicou Sérgio Faria, pesquisador da Embrapa Agrobiologia.
Essas descobertas abrem caminho para o desenvolvimento de inoculantes multiespécies, de largo espectro, capazes de atender simultaneamente várias espécies florestais utilizadas em ações de reabilitação ambiental em todos os biomas brasileiros. “A indústria de inoculantes não consegue produzir uma formulação para cada espécie florestal. Ter um produto com ampla compatibilidade é um ganho técnico e econômico para todos”, ressaltou Faria.
Trata-se de uma solução que reduz custos e simplifica a logística de produção e aplicação. O objetivo é oferecer aos viveiristas e restauradores um inoculante único, eficiente para diferentes espécies usadas em projetos de recomposição florestal em todos os biomas brasileiros, sem perda de eficiência na fixação de nitrogênio.
Trinta anos de pesquisa
A técnica de recuperação com o uso de microrganismos teve início há mais de três décadas, quando a Embrapa Agrobiologia buscava alternativas para regenerar áreas que haviam perdido completamente sua estrutura e fertilidade, sobretudo em regiões mineradas. Na época, o desafio era restaurar o “chão”, transformando substratos pobres em solo vivo novamente.
Nos primeiros experimentos foram testadas menos de dez espécies de leguminosas com potencial madeireiro, como sabiá (Mimosa caesalpiniifolia), gliricídia (Gliricidia sepium) e saman (Samanea saman). Hoje, a base de dados acumulada pela Embrapa já contempla centenas de espécies com potencial de uso em todos os biomas brasileiros, desde a Amazônia até o Semiárido. “Começamos com poucos exemplos e hoje temos informações que orientam o uso de leguminosas para praticamente todas as condições de solo e clima do País”, observou o pesquisador Alexander Resende.
O segredo da tecnologia está na associação simbiótica entre plantas e microrganismos. As bactérias conhecidas como rizóbios colonizam as raízes das leguminosas e formam nódulos, onde capturam o nitrogênio do ar e o convertem em uma forma assimilável pela planta. Os fungos micorrízicos, por sua vez, ampliam o alcance das raízes no solo, favorecendo a absorção de água e nutrientes, especialmente o fósforo.
Essa relação de troca cria uma aliança que aumenta o crescimento vegetal mesmo em solos degradados e acelera a formação de matéria orgânica. As folhas, raízes e galhos caídos enriquecem a terra e reativam processos ecológicos essenciais, como a ciclagem de nutrientes e a retenção de água.
“O que fazemos é otimizar uma simbiose natural, selecionando as bactérias, fungos e espécies de plantas mais adaptadas para formar um sistema eficiente, capaz de reconstruir a fertilidade e preparar o terreno para o retorno da biodiversidade”, resumiu Eduardo Campello.
A técnica já foi aplicada com êxito em áreas de mineração de bauxita e ferro na Amazônia e em Minas Gerais, em jazidas de piçarra no Rio Grande do Norte, e na recuperação de encostas e voçorocas no estado do Rio de Janeiro. Também há registros de uso em projetos de restauração na Caatinga e no Cerrado, sempre com resultados consistentes.
Os primeiros sinais visuais aparecem após aproximadamente 12 meses, com vegetação cobrindo o solo e controle da erosão. Em quatro a cinco anos, as áreas adquirem aspecto de “floresta jovem”. Estudos mostram ainda que, após uma década, a fauna local retorna e mais de 40 novas espécies vegetais passam a colonizar espontaneamente a área.
“Conseguimos estabelecer uma cobertura herbácea, arbustiva e arbórea, mesmo nos cenários mais inóspitos. A vida volta, e o solo volta a respirar”, relatou Faria, que conduz os estudos com microrganismos desde os primeiros experimentos da Embrapa Agrobiologia.