Ouvindo...

Sertão de Minas desafia clima e vira destaque na produção de vinhos; conheça a vinícola premiada

O município de Grão Mogol se tornou destaque na produtividade excepcional de uvas e garantiu um prêmio em concurso nacional no ano passado

Vinho premiado da Vinícola Vale do Gongo

O Sertão de Minas mostrou que nem o clima e as previsões “mais pessimistas” são capazes de impedir o sucesso na produção de uvas in natura e vinhos. Como diz o ditado, o mineiro sempre dá um jeitinho, né?!

Ao pé da Cordilheira do Espinhaço, no Norte de Minas, o município de Grão Mogol se tornou destaque na produtividade excepcional de uvas e garantiu um prêmio em concurso nacional.

No ano passado, o vinho Casa Velha, produzido pela vinícola Vale do Gongo, dos empresários e irmãos Alexandre e Gésio Damasceno, e de Guilherme Saege, ganhou a medalha Grande Ouro no Concurso Nacional de Vinhos de Mesa em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, município referência nacional na produção da bebida.

O vinho premiado traz mais um atrativo: ele é feito a partir da uva brasileira Vitória.

Vinho Casa Velha, produzido pela vinícola Vale do Gongo

Foi a primeira vez que o Norte de Minas se destacou em um concurso nacional de vinhos. “Comprovamos o potencial do terroir do sertão mineiro”, orgulha-se Alexandre.

“Eu acredito que a quebra de paradigmas, acho que é o grande marco da produção de uvas finas e elaboração de vinhos no norte de Minas, na porção da Cordilheira do Espinhaço. Porque nós promovemos a partir do projeto Vale do Gongo, um redesenho do mapa da vitivinicultura e também do enoturismo no Brasil. Porque estamos na região que antes era inimaginável a produção de uvas finas, elaboração de vinhos de qualidade”, contou Alexandre Damasceno à Itatiaia.

Como produzir vinhos no Norte de Minas?

Apesar da baixa incidência de chuvas (em torno de 900 mm por ano) e do clima seco e quente, um grupo de produtores rurais decidiu investir no segmento, apostando na fertirrigação - método de adubar a lavoura por meio da irrigação -, no manejo correto, troca de informações e o apoio tecnológico dos pesquisadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

Percebendo o potencial das bebidas artesanais e com a intenção de fabricar apenas para consumo próprio, os sócios decidiram testar a variedade Merlot com o plantio de apenas 46 mudas.

Nesse meio tempo, em plena epidemia do Coronavírus, o empresário conheceu a Epamig por meio de lives e cursos na internet. “Não sabíamos das pesquisas com novas cultivares e da técnica de poda invertida ou dupla poda”, explicou o empresário.

A pesquisadora e coordenadora do Programa Estadual de Pesquisa em Vitivinicultura da Epamig, Renata Vieira, explica que, por causa das condições climáticas e de solo da região totalmente diferentes das encontradas no sul de Minas, é possível obter duas safras por ano só com manejo de irrigação e poda.

“Lá não se aplica a necessidade da dupla poda. A Vale do Gongo faz um manejo de poda que permite duas safras anuais. Nosso pesquisador Francisco Câmara está co-orientando uma tese de doutorado a respeito do manejo de poda da videira Merlot na Vale do Gongo. Eles fizeram um teste de poda com opções de colheita somente no verão ou somente no inverno (manejo da dupla poda). Mas esse é um resultado de tese que ainda não foi publicado. A aluna ainda está terminando de escrever”, pontuou Renata.

A Vale do Gongo produz, atualmente, 60 toneladas de uvas por ano. Parte da produção é destinada ao consumo da fruta in natura e a outra, para a elaboração de 15 mil litros de vinhos/ano. Já as variedades para consumo in natura atingem 50 toneladas por hectare/ano, em dois ciclos produtivos.

Além da boa produtividade, Alexandre e Gésio descobriram que as uvas plantadas por eles têm grande potencial para a maturação fenólica. As noites frias do microclima da região garantem o alto teor de açúcar das frutas, que amadurecem lentamente, fixando uma cor intensa, mas sem perder a acidez. Os estudos também mostraram que o clima seco da região ajuda a controlar os patógenos que atacam a videira.

O resultado é que a variedade francesa Merlot tem alcançado produtividade média de 4 quilos por planta, duas safras por ano e a elaboração de vinhos de vários estilos: dos espumantes aos vinhos licorosos, brancos, jovens e os chamados ‘tintos de guarda’, que podem envelhecer numa adega por até 20 anos.

O negócio que começou despretensiosamente em 2017 já é um case de sucesso premiado.

“Somos um terroir novo. O sul do país já produz grandes vinhos, o sul de Minas também já é destaque na produção de vinhos, mas o norte de Minas é a região mais nova que temos, talvez no mundo, né, em produção de vinhos. Isso também eleva o interesse, dos enófilos, dos amantes de vinhos por novidades no setor vitícola”, destacou Alexandre à reportagem.

‘Novo Eldorado’

O secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Thales Fernandes, que visitou Grão Mogol pela primeira vez, ficou surpreso com o cenário promissor. Na avaliação dele, o vinho tem uma motivação a mais para a produção por ser um produto de valor agregado que traz junto o agroturismo.

“Além disso, a topografia também é propícia para produção de café, com altitudes de 800 a 1100 m acima do nível do mar. A parceria estabelecida aqui, através da nossa Epamig e do IMA, com a questão da sanidade, é fundamental pra gente continuar crescendo, gerando emprego e renda. Grão Mogol é um novo Eldorado”, disse.

Leia também

Enoturismo

A produção de vinhos desenvolveu outro setor no município: o enoturismo de experiência, fomentando a economia local. “Nos últimos anos, Grão Mogol deu um salto de mais de 300% no setor de turismo”, diz Alexandre.

*Com informações de Maria Teresa Leal, da Seapa

Formada em jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), Giullia Gurgel é repórter multimídia da Itatiaia. Atualmente escreve para as editorias de cidades, agro e saúde