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Gás de efeito estufa pode dar origem a combustíveis sustentáveis

Artigo publicado por um consórcio internacional de cientistas apresenta panorama sobre o assunto

Transformar poluição em combustível pode estar mais perto do que se imagina. Essa é a hipótese analisada do artigo científico “Hidrogenação de CO₂ para produção sustentável de combustíveis e produtos químicos” produzido por pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, Países Baixos, Itália, Reino Unido e França. O texto foi publicado na revista Science, uma das revistas acadêmicas mais prestigiadas no mundo.

Dentre os autores está Liane Rossi, diretora do Programa Captura e Conversão de Carbono (CCU) do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) e docente do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP).

Para transformar a poluição em combustível é preciso que ocorra um processo denominado hidrogenação do dióxido de carbono (CO₂), que transforma o CO₂ – um dos principais gases de efeito estufa – em produtos químicos e combustíveis renováveis. Um dos produtos dessa reação é o metanol, composto versátil utilizado em tudo, desde plásticos até combustíveis.

Também é possível produzir outros compostos, como o metano, que pode ser injetado diretamente em gasodutos de gás natural, além de hidrocarbonetos de cadeias maiores, que podem ser usados como gasolina ou combustível de aviação. Isso abre a possibilidade de criar os chamados e-combustíveis, alternativas sustentáveis aos combustíveis fósseis tradicionais.

Combustíveis limpos

De acordo com Robert Wojcieszak, pesquisador sênior do Centre national de la recherche scientifique [França] e um dos autores do artigo, é preciso repensar a relação com o dióxido de carbono. “Em vez de vê-lo como um resíduo, podemos capturar o CO₂ de fontes industriais ou até mesmo diretamente do ar e usá-lo como um valioso bloco de construção de carbono.”

A superfície das partículas catalíticas - materiais que aceleram reações químicas sem serem consumidos - captura as moléculas de CO₂ e hidrogênio, enfraquecendo as ligações fortes que as mantêm unidas. Isso permite que os átomos se reorganizem e formem novas ligações, criando os produtos desejados. Os cientistas estão constantemente trabalhando para desenvolver catalisadores melhores.

A hidrogenação do CO₂ pode fornecer e-combustíveis limpos para setores difíceis de eletrificar diretamente, como a aviação e o transporte marítimo.

Novos catalisadores

O artigo destaca que cientistas estão explorando novas formulações para catalisadores e aqueles à base de óxido de índio estão mostrando grande potencial. Pesquisas recentes indicam que mais de 85% desses novos catalisadores podem converter CO₂ em metanol com mais de 50% de eficiência.

Como explica Rossi, “o objetivo final vai além de apenas produzir metanol, trata-se de construir um futuro sustentável alimentado por muitos produtos derivados do CO₂. A chave está no desenvolvimento de catalisadores inovadores. Avançando na hidrogenação do CO₂, podemos reduzir as emissões de gases de efeito estufa, especialmente quando usamos energia renovável para impulsionar o processo”.

Isso não significa que seja uma solução mágica. Existem desafios e compensações a considerar. Seja a origem do CO₂ de uma fábrica ou capturado diretamente do ar, a tecnologia utilizada para convertê-lo e a aplicação final do produto como combustível podem impactar significativamente a pegada ambiental geral.

Perspectivas

No artigo, os cientistas detalham os principais fatores que influenciam a atividade de catalisadores heterogêneos na hidrogenação do CO₂ para metanol. Eles destacam diferentes estratégias para aumentar a estabilidade dos catalisadores e melhorar suas propriedades de hidrogenação, reunindo os avanços mais significativos dos últimos cinco anos e os desafios para o desenvolvimento de formulações mais eficientes. Aspectos históricos e mecanísticos da hidrogenação do CO₂ também são discutidos.

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Alternativas, como catalisadores de paládio-índio, estão sendo estudadas, mas o custo ainda é um grande obstáculo. Apesar desses desafios, os avanços no design de catalisadores e nas técnicas de análise de materiais estão abrindo caminho para um futuro energético mais limpo, impulsionado pela hidrogenação do CO₂.

Os cientistas acreditam que avanços futuros são possíveis. O aumento do poder de computação, especialmente com inteligência artificial e computação quântica, combinado com grandes volumes de dados permitirão simulações mais precisas e um melhor entendimento do comportamento dos catalisadores. Ao mesmo tempo, novas técnicas de caracterização em tempo real fornecerão conhecimentos mais detalhados sobre os sítios ativos e os mecanismos de reação.

*Giulia Di Napoli colabora com reportagens para o portal da Itatiaia. Jornalista graduada pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.