Ouvindo...

‘Embaixadora’ luta pelo sucesso dos cafeicultores da região vulcânica e pela própria sucessão rural

Produtora é exemplo de força e liderança para outros cafeicultores; aos filhos e netos, ela distribui terras como estratégia para garantir a continuidade do negócio

Dona Ilma Rosa Correa Franco, de 68 anos, começou a se dedicar integralmente à cafeicultura depois dos 50 anos e há apenas seis produz cafés especiais. Antes, ela já tinha uma pequena lavoura herdada de seus pais e avós, mas estava ocupada cuidando dos três filhos: Rafaela, Gisela e José Luiz. Hoje, com tempo e disposição de sobra, tornou-se uma espécie de ‘embaixadora do café’ da chamada região vulcânica no município de Campestre, vizinho a Poços de Caldas, no sul de Minas.

O título tem razão de ser: Ilma não pensa apenas no sucesso do próprio negócio e sim no dos cafezais de toda a cidade onde, dos cerca de 21 mil habitantes, pelo menos 3.500 são cafeicultores. “Quero que a Associação de Cafeicultores que estamos criando ajude os produtores locais a serem reconhecidos como produtores de cafés especiais, de excepcional qualidade”, afirmou.

Inicialmente, ela pensou em montar um grupo de mulheres cafeicultoras, mas com a parceria da prefeitura e do Sebrae, concordou em fazer uma Associação comum a todos, abrangendo um maior número de pessoas. Além de união para a classe, ela quer levar o exemplo da persistência, do trabalho e da empolgação com a atividade. “Eu tenho muita energia e quero contaminar todo mundo”, avisa, abrindo o sorriso.

Em pouco mais de seis anos dedicados à produção de cafés especiais, e embaixadora passou de 30 sacas/ano para 120 sacas, já exportou café para o Japão e os Estados Unidos e há três anos participa da Semana Internacional do Café com estande próprio. Um feito e tanto, que nem todas as associações e cooperativas de café conseguem.

Cursos e qualificações mudaram a forma de lidar com o negócio

Ilma conta que, há 12 anos, ela e o marido João Antônio produziam café commodity nas terras herdadas do avô e bisavô dela. Mas, de seis anos pra cá, começaram a desconfiar que o café que produziam devia ter algo de muito especial. É que na hora de negociar a venda, disputando com outros cafés, os compradores sempre preferiam o deles. “Era uma coisa velada. Penso que não falavam abertamente para não encarecer o produto”, diz Ilma.

O fato é que isso despertou nela a vontade de entender e conhecer melhor o universo dos cafés especiais. Então, correu atrás de qualificação. “Procurei os cursos do Senar para entender melhor o que era o meu café, quais eram os segredos da produção de um café especial e como funcionava o mercado”, falou. Fez mais de 15 cursos: de classificação e degustação, manejo de café e doenças, cafés especiais , preservação de nascentes e meio ambiente e métodos de plantio, sendo que alguns, ela fez mais de quatro vezes para assimilar melhor o conteúdo.

Ao final dessa jornada, estava convencida do privilégio que era estar na região vulcânica - com solo diferenciado, grande amplitude térmica e microclima favorável. “Percebi que precisávamos aproveitar melhor esse terroir diferenciado”.

Meeiros são alternativa para driblar falta de mão-de-obra

A partir daí, ela e ‘seu João’ passaram a separar 20% do total da safra, que oscila em torno de 600 sacas, para fazer o café especial. A diferença entre um e outro no processo produtivo é basicamente o tratamento dado ao café no pós-colheita.

Antes, ainda na lavoura, Ilma supervisiona os sócios (os chamados meeiros) para que colham apenas as frutas maduras. “Saio andando pela lavoura e repetindo que quero apenas café no meu terreiro. Nada de pedaços de pau, pedras ou folhas”.

Ela explica que escolheu trabalhar nesse formato - de sociedade - pela dificuldade de conseguir mão de obra. Assim, tem mais comprometimento dos envolvidos e repassa 40% dos lucros para seis sócios. “Oferecemos a terra, a lavoura, os insumos e adubos e eles entram com a mão-de-obra”.

As variedades plantadas são Mundo Novo, Catuaí Vermelho e Amarelo e a mais nova chamada Paraíso 2, que tem tido bom desempenho em concursos com pontuações bastante altas. “Plantamos uma lavourinha como experiência. Vamos ver no que vai dar”.

Meta é fazer 100% de cafés especiais

Ilma conta que quando seu primeiro lote de café começou a ser disponibilizado no mercado com o nome de café Rosa Franco ‘foi uma loucura’. “Mal acabamos de secar e já estava tudo vendido. inclusive o commodity”. A cada ano, João e Ilma aumentam o montante dos especiais e a meta é fazer com que a produção seja 100% especial.

Especialista explica como o clima e o solo influenciam na bebida

Leonardo Custódio, provador profissional de café, q-grader, produtor, técnico em cafeicultura e amigo do casal, conta que já percorreu o Brasil inteiro experimentando cafés e afirma que essa é uma das regiões mais privilegiadas em termos de terroir. “Os dias muito quentes e as madrugadas muito frias fazem com que a respiração da planta entre em dormência, desacelerando o metabolismo e acarretando numa maturação mais lenta.

“Enquanto no Cerrado mineiro ou em Alta Mogiana (SP), a colheita do café inicia-se em abril ou maio, aqui só começamos a colher em junho. Isso faz com que a concentração de açúcar seja maior. Então, se fizermos o ‘arroz com feijão’, teremos um café especial. Os cafés de altitudes mais altas têm corpos mais licorosos e vinhosos. Isso é muito importante numa prova de degustação”, explicou Leonardo.

Outra explicação para a influência positiva no resultado final dos cafés, segundo o especialista, é a presença de muitas pedras, rochas e argila no solo, o que ajuda a segurar os nutrientes, beneficiando as plantas. “Mas nada disso tem importância se não houver um trabalho sério por trás. Todo mundo quer ser a dona Ilma, mas ninguém quer trabalhar como ela. É uma grande referência pra nós. É a nossa embaixadora do café”, alerta Leonardo.

Conheça o passo a passo depois da colheita

No processo de pós-colheita da dona Ilma, não tem lavador e nem seleção de grãos porque eles já são pré-selecionados no momento da colheita. Na hora de secar, a cafeicultora esparrama no terreiro uma camada fina das frutinhas. No segundo dia, dobra a quantidade para evitar que o solo queime os açúcares do café”.

Segundo ela, esse é o principal segredo de sua produção. Outra dica é não deixar o café especial tomar sereno porque senão ele resfria. “É preciso cobri-lo com um pano. Quando atingir 16 de umidade, é hora de ensacar e guardar para que ‘descanse’ por 21 dias”

Depois desse período, o café volta para o terreiro até ‘pegar’ 11,5 de umidade. “Toda tarde, quando o sol se põe, eu faço um monte com a produção, cubro com um pano e uma lona pra ele não soar. Aí é, novamente, armazenado por mais 15 dias. Ilma explica que a umidade é medida com um aparelho próprio para isso.

Leia mais:

Na cratera de um vulcão: conheça os cafés que carregam resquícios de estrutura geológica milenar

Cafeicultores da região vulcânica buscam Indicação Geográfica e se preparam para a SIC

Preocupação ambiental e sustentabilidade estão presentes

Nos Sítios Terra Nova e Pitangueiras, ambos da família Rosa, todas as nascentes são preservadas; há áreas de reserva natural e plantas de cobertura como as braquiárias que promovem a estruturação do solo, a retenção de umidade e o aumento da porosidade, permitindo a circulação da água e do ar. “Se um produtor hoje não tiver esses cuidados, ele está fora do agro. Estamos caminhando para uma agricultura regenerativa”, disse Ilma, acrescentando que os defensivos são aplicados em doses bem mais baixas do que o recomendado e com uma distância de 50 dias antes da colheita.

Sucessão rural preocupa matriarca e distribuição de terras é estratégia para incentivar filhos e netos

Todos os três filhos do casal João e Ilma têm outras profissões. José Luiz e Rafaela são dentistas e tentam conciliar o consultório com a cafeicultura. Ambos têm uma lavoura própria, doada pela mãe. José acha que a atividade é gratificante “quando toma certa proporção”. “Um mês atrás estava tudo seco e duvidei que a próxima safra fosse vingar. De repente, veio a chuva e surgiu uma das floradas mais bonitas que já tivemos”, orgulha-se.

Já Gisela, a caçula, é fisioterapeuta e professora universitária e mora em São Paulo. Mesmo assim, está sempre por perto e de olho no negócio da família. O filho de Rafaela, Maurício, de 18 anos, também já dá demonstrações de identificação com a terra. Assim como a mãe e os tios, ele recebeu seu pedaço de terra, e, segundo os avós, tem surpreendido com o empenho no cafezal. “Está cuidando de tudo com muita dedicação. Isso me deixa muito feliz. Eu sei que é difícil fazer essa transição porque meus filhos escolheram outras profissões. Mas estou tentando contaminá-los. Fiz tudo o que fiz pensando neles. Meu maior desejo é que essa batalha que iniciei não acabe aqui e perdure pelas próximas gerações da minha família”. Pelo visto, as coisas estão bem encaminhadas. Dona Ilma pode ficar tranquila. Ainda mais se depender da pequena Maria Fernanda, neta caçula de três anos, filha de José. A pequena ama apreciar as frutinhas, ora verdes, ora amarelas, ora cerejas nos pés de café e não dispensa uma boa xícara da bebida: “Hum… está uma delícia”, não se cansa de repetir para a alegria da avó coruja.

Leia também


Participe dos canais da Itatiaia:

Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.



Leia mais