Que o sul de Minas produz alguns dos melhores cafés do país, todo mundo já sabe. Mas, na região de Poços de Caldas, a incidência com que os cafeicultores têm conquistado prêmios e concursos de qualidade, despertou a curiosidade sobre um fato para o qual, até então, não se dava muita importância: o solo vulcânico.
O analista de agronegócio do Sebrae - que apoia os produtores locais com oferta de programas de gestão e assistência técnica - Rogério Galuppo, explica que já foram feitos vários estudos que comprovam a riqueza do solo e a influência dele na qualidade do café. Só não se tem ainda o documento oficial que comprova isso, aliado à boa altitude e ao clima favorável. “Se algum dia, a região vulcânica se interessar em ter uma denominação de origem, terá que fazer esse protocolo científico”, disse o analista.
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É que justamente as propriedades que mais se destacam estão localizadas no entorno da cratera de um vulcão extinto há 80 milhões de anos. Para estudar o assunto, criar uma marca e fortalecer a representatividade dos cafés da região, sete mil produtores se uniram e criaram a Associação dos Produtores de Café da Região Vulcânica. Juntos, eles cultivam 53 mil hectares do grão, produzem 1 milhão e 800 mil sacas por ano e têm conquistado, cada vez mais, representatividade, conhecimento e, claro, prêmios. Atualmente, a principal meta é conseguir um selo de Indicação Geográfica, abrangendo 12 municípios, sendo oito no Sul de Minas Gerais e quatro no Nordeste de São Paulo. O selo, concedido pelo governo federal, atribui reputação, valor intrínseco e identidade própria, além de distinguir o produto, em relação a seus similares. “Obter essa chancela é nossa prioridade no momento”, disse Ulisses de Oliveira, diretor executivo da Associação.
Os trabalhos para a obtenção do selo tiveram início em 2021. Com a ajuda de uma consultoria, a Associação realiza oficinas, participações em feiras, seminários, atualiza estatutos e promove cuppings. “Já está mais do que provado que nossos cafés são diferenciados”, orgulha-se o presidente Marco Antônio Sanches.
Além do solo vulcânico, outra explicação para a qualidade da bebida local, de acordo com Sanches, está na grande amplitude térmica. “Terras mais altas costumam ser mais frias à noite. De noite, a planta produz mais ácido cítrico. E aqui é quente durante o dia, o que favorece o bom desenvolvimento do café. O resultado é um balanço entre a acidez e a doçura, um café muito equilibrado, encorpado e doce”, disse.
Na fazenda do Matão, vitória em concurso foi ‘virada de chave’
O cafeicultor Affonso Junqueira de Souza e Silva, dono da fazenda do Matão, conta que eles sempre produziram bons cafés, mas não tinham consciência do diferencial que tinham em mãos. A propriedade pertencia a seu bisavô, o tenente Agostinho Affonso Junqueira e produz café desde 1955.
Em 2017, eles decidiram participar do primeiro Concurso de Cafés organizado pela Prefeitura de Poços de Caldas e foram selecionados em 9º lugar. Em 2018, tentaram novamente, mas não foram para a final. Em 2019 e 2020, o concurso não foi realizado. Até que em 2021 eles conquistaram o primeiro lugar. “Isso acendeu uma luzinha na gente. Foi uma virada de chave. Dissemos “Opa! Precisamos cuidar melhor desse café porque tem mercado pra ele”. Nessa época, eles colhiam as variedades - como Catuaí e Mundo Novo - misturadas, compondo um blend que era vendido como commodity. Mas, a partir da vitória no concurso, decidiram selecionar o Bourbon Amarelo e o Arara, uma variedade nova, em microlotes, mirando outros concursos. “Fazíamos todo o processo de secagem e pós-colheita ainda com mais cuidado com a seleção manual dos grãos”, conta Afonso.
Segundo ele, foi muito importante tomar consciência de que as terras herdadas de sua família possuem o terroir da região vulcânica composto pelo solo rico em nutrientes, clima de grande amplitude térmica e a boa altitude. “Isso elevou nossa autoestima. O café mais ‘baixo’ da fazenda é produzido a 1200 metros acima do nível do mar”, orgulha-se.
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Como nasceu o Peneira 16?
Com essa injeção de ânimo, tiveram a ideia de criar uma marca própria e toda a família se envolveu na escolha do nome do produto. A primeira sugestão foi a mais óbvia: “Café da Fazenda do Matão”. Ninguém aprovou. Então, pensaram em homenagear personagens da família, como o Vô Ademar e a Vó Silvia. Mas também acharam que ia cair num ‘lugar comum’ porque já existem muitos cafés com o nome de seus produtores ou antepassados.
Foi, então, que alguém sugeriu usar a palavra ‘Peneira’, objeto usado para classificar o tamanho do grão. “Fizemos uma enquete e o nome Peneira 16, que é a que usamos, venceu pela originalidade e, ao mesmo tempo, por ser um termo usual no universo do café. Calhou bem com o produto que tínhamos em mãos”, disse Affonso.
Qualidade passa por criterioso olhar feminino
Para todas essas mudanças nos processos de produção e na forma como eles passaram a enxergar o café, o proprietário contou com ajuda de Verônica Marrafon, neta de Paulo Marrafon, que há 50 anos administra a Matão. A jovem, de 28 anos, nasceu na propriedade e cresceu em meio aos pés de café. Ainda meio em dúvida sobre qual profissão seguir, formou-se em Farmácia. Mas, logo depois, voltou pra casa e rendeu-se à cafeicultura. Hoje, ela é a responsável pela qualidade do café produzido e também pelo Departamento de Recursos Humanos.
Uma das principais decisões tomadas por ela, em conjunto com Affonso e toda a equipe da Matão, foi a da renovação do cafezal que já andava desgastado e pouco produtivo. Uma poda drástica em 2021 colocou no chão cerca de 52 mil pés de cafés, alguns com mais de 50 anos, num investimento de R$ 200 mil por ano. “Foi doído, mas necessário. As plantas já estavam velhas e não entregavam todo o potencial esperado, além de serem de variedades antigas, mais suscetíveis a pragas e doenças”. Verônica lembra que investir em plantas novas e mais resistentes é um dos preceitos da agricultura regenerativa para a qual eles estão em processo de transição.
Por isso, 2024 foi um ano de baixa produtividade: apenas 500 sacas. As novas plantas devem demorar ainda uns dois anos para compensar o investimento. Mesmo assim, eles consideram que a medida foi assertiva. Segundo Verônica, as perspectivas para 2025 são ‘as melhores possíveis’ porque o cafezal teve ‘um pegamento de florada bem interessante’, comparado ao de outras regiões. “O cafezal ficou inteiramente florido e quando as flores caíram, já deram lugar a uma micro-frutinha.
Ela acredita que o processo de Indicação Geográfica esteja em sua fase final e o selo será muito bem-vindo. “A Região Vulcânica já é uma referência importante no mundo dos cafés de qualidade. Quando as pessoas ouvem que somos daqui, mudam de expressão na hora, mudam a forma de ver o produto”, conta.
O que mais a gratifica? Poder acompanhar o dia-a-dia de todo o processo de produção até chegar à xícara na casa das pessoas”. No próximo ano, ela planeja ampliar o leque de participação em concursos. Queremos muito mais prêmios”, avisa.
Atualmente, 70% da produção da Fazenda do Matão é exportado para o Japão, Canadá, China, EUA e União Europeia. Dos 100 mil pés da propriedade, doze mil são da variedade Arara. A última safra rendeu 500 sacas de 60 kg. Mas a meta é chegar a 1500 sacas por ano.
(*) Amanhã (2), será publicada a segunda parte da matéria sobre a região vulcânica. A repórter viajou a convite do Sebrae.