Ouvindo...

Pesquisadores encontram ligação entre episódios massivos de mortes de abelhas no Brasil, saiba qual pode ser a causa

Substância é apontada como uma das principais causadoras da mortandade em massa das abelhas; pesquisador da USP/Esalq explica o que é o Fipronil e sugere restrições a seu uso

Nos últimos meses foram registrados pelo menos três grandes episódios de mortandade em massa de abelhas: no Mato Grosso, na Bahia e em Minas Gerais. Em comum, eles têm o uso do Fipronil, agrotóxico banido na União Europeia e de alguns países da América dos Sul, mas ainda bastante usado no Brasil.

Em fevereiro desse ano, o Ministério da Agricultura da Colômbia e o Instituto Colombiano de Agricultura (ICA), acataram a orientação de proibição do uso da substância, feita por uma Comissão Técnica constituída para a adoção de medidas de preservação de insetos polinizadores.

A resolução se baseia em estudo técnico realizado pela Agrosavia (Corporação Colombiana de Pesquisa Agropecuária), que concluiu que o Fipronil é um inseticida cujo uso indiscriminado tem causado a morte em massa de abelhas e o desaparecimento de colmeias.

“As abelhas desempenham um papel valioso, porque precisamos de uma agricultura sustentável com ações e boas práticas”, disse, na ocasião, a ministra da agricultura colombiana, Cecilia López Montaño.

No Mato Grosso, o Instituto de Defesa Agropecuária reconheceu o uso inadequado da substância. O órgão soltou uma nota dizendo que, como se trata de um componente mortal para as abelhas, não deve ser aplicado com o uso de aviões.

Um levantamento informal, feito pelo jornal Folha de São Paulo, mostrou que o Fipronil está relacionado a episódios de morte em massa de abelhas em pelo menos sete estados, desde 2017. No Mato Grosso do Sul, estudos demonstram que a substância estava em 30% das amostras de insetos mortos em 2017 e passou para 85% no ano passado. Esses dados dizem respeito apenas ao que é relatado por apicultores com alguma produção comercial de mel e seus subprodutos como cera e própolis. O impacto silvestre não é totalmente conhecido. Nas produções e fora delas, esses insetos são muito importantes para a polinização das flores.

A Itatiaia conversou com o professor da USP/Esalq, mestre em Fitopatologia e doutor em Agronomia/Fitossanidade, José Otávio Menten, para saber se a afirmação faz sentido. Ele disse que não é justo deixar que a substância pague toda a conta, sozinha, pela mortandade das abelhas, porque há outros fatores que podem provocar efeito semelhante, mas admite que seu uso deveria ser restrito às pragas do solo, evitando-se, por exemplo, sua aplicação por meio de aviões o que atinge indiscriminadamente a flora e a fauna do entorno.

“O problema que eu vejo é a falta de consciência e de comunicação entre os produtores rurais. Muitos deles, quando precisam aplicar um defensivo em suas plantações, não avisam, previamente, os vizinhos apicultores que são pegos de surpresa e têm suas colmeias completamente destruídas. Isso não precisa ser dessa forma. A convivência harmônica entre agricultores e apicultores é possível. As abelhas precisam do pasto apícola nas lavouras e as plantas são beneficiadas com o serviço ecossistêmico de polinização’”.

Confira a entrevista na íntegra:

Quais são as principais características do Fipronil?

A substância age no sistema nervoso central dos insetos causando uma hiperatividade antes da morte do inseto. E ele é indicado para combater pragas do solo, como formigas e cupins e também é bastante usado por veterinários para o controle de carrapatos e pulgas que acometem cães e gatos.

Como combater o uso indiscriminado do Fipronil?

Creio que a principal solução seja levar conhecimento. É mais importante e mais eficiente a educação do que a fiscalização. O investimento em treinamentos e extensão rural vai ajudar bastante a resolver esse problema.

O que explica que seu uso ainda seja permitido no Brasil, se ele já foi banido da Europa e alguns países da América Latina?

Alguns produtos não são utilizados em algumas regiões como é o caso do Fipronil na Europa porque as culturas e as pragas não exigem esse esse produto. Aqui no Brasil algumas culturas, como por exemplo a cana e o eucalipto exigem, mas só para aplicação no solo. A aplicação aérea ou foliar não deve ser feita. Esse é o problema. O uso deveria ser restrito a casos específicos, mas tem sido usado indiscriminadamente.

Procede que o Fipronil age no sistema nervoso central do inseto, provocando uma hiperatividade motora e neural e, na sequência, a morte?

Sim, a informação de que ele atua no sistema nervoso central do inseto é correta. Mas isso é só no inseto. Não tem o mesmo efeito em outros seres vivos, incluindo o homem

O que podemos fazer para proteger nossas abelhas? Que tipo de políticas públicas você acha que o governo poderia implementar com esse intuito?

A ação mais importante é levar conhecimento a todos os produtores rurais, incluindo os apicultores. Então, uma boa educação básica, treinamento, extensão rural, todos esses esses aspectos são importantes. Uma outra ação é limitar o uso. Ficando restrito ao tratamento de solo e de sementes. E tentando sempre evitar ou restringir as aplicações foliares destes produtos. Tanto que seu uso está em reavaliação. Estuda-se a limitação de que seja utilizado apenas em pragas do solo.

É importante ressaltar que existem outras fontes de de informação e pessoas que vem trabalhando e com bastante afinco nessa causa. Existe a Associação Brasileira de Estudo de Abelhas que envolve diversos trabalhos consistentes e existe o programa Colmeia Viva sob a responsabilidade do SINDIVEG com diversas publicações e muitas ações que analisam esse problema e buscam soluções.

E também existem técnicos, profissionais, pesquisadores, acadêmicos que vem desenvolvendo trabalhos focados nas abelhas. É o caso, por exemplo, da UNESP de Rio Claro, da Embrapa Meio Ambiente em Jaguariúna e da Embrapa Soja com pesquisadores que tem publicado bastante sobre o tema.

Leia mais:

Apicultor fala sobre o dia a dia da profissão e manifesta preocupação com uso indiscriminado de agrotóxicos

Preocupado com mortandade de abelhas, IMA simplifica cadastro de apicultores

Uso indiscriminado de agrotóxicos e produtos químicos coloca as abelhas em risco de extinção; entenda

Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.



Leia mais