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Embrapa utiliza inteligência artificial e ondas cerebrais para identificar doenças nas plantações

Equipamento está sendo treinado por pesquisadores; aplicativo deverá estar disponível a partir do próximo ano; sistema já é utilizado em aeroportos na identificação de objetos suspeitos em malas

Cerca de 1,5 mil imagens de folhas doentes e saudáveis foram analisadas por engenheiros agrônomos

Já pensou estar no meio da sua plantação de soja, milho ou laranjas, observar uma mancha numa folha, tirar uma foto e obter, rapidamente, um diagnóstico por meio de um aplicativo instalado no seu celular? Pois essa realidade está mais próxima do que você imagina.

Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com duas empresas de tecnologia, desenvolveram um algoritmo de inteligência artificial capaz de analisar com precisão alterações nas folhas de plantas que antes só eram possíveis em exames feitos presencialmente, por especialistas.

O pesquisador da Embrapa Agricultura Digital, Jayme Barbedo, contou à reportagem da Itatiaia que, em 2019, eles foram procurados por representantes de duas empresas de tecnologia: a Macnica DHW, que integra a operação da América do Sul do grupo japonês Macnica Inc. e israelense InnerEye, desenvolvedora do BrainTech, equipamento que faz a captura dos sinais neurais, por meio de um capacete com eletrodos, similar a um eletroencefalograma (EEG).

O teste e a validação do sistema tiveram a participação do desenvolvedor Yonatan Meir, da InnerEye, que veio de Israel em agosto do ano passado, especialmente para essa finalidade. “Por meio da captura de ondas cerebrais, a solução da InnerEye é capaz de identificar o julgamento e a classificação de uma imagem observada por uma pessoa, permitindo que essa imagem seja rotulada de forma automática e imediata”, explica Meir. O sistema já é utilizado em aeroportos europeus na identificação de objetos perigosos em malas.

Os executivos buscavam uma forma de aplicação da inteligência artificial no campo e queriam sugestões e a parceria da Embrapa. “Logo pensei na questão do diagnóstico de doenças que acometem as plantas por ser algo com a qual já trabalho há dez anos e uma área em que a rapidez dos diagnósticos pode ser fundamental para a tomada de decisões.


Ferrugem Asiática e oídio

Para fazer os testes foram escolhidas duas doenças que causam sintomas distintos nas folhas de soja: a ferrugem asiática e o oídio, relevante na Região Sul do Brasil. Com a utilização do equipamento foi possível diferenciar as folhas doentes das saudáveis.

Como funcionou o experimento

Barbedo explicou que a tecnologia artificial, hoje, abre inúmeras possibilidades. Basta que você “ensine determinado algorítimo a trabalhar”. Nesse caso específico, o desafio era treiná-lo para que ele aprendesse a identificar e classificar as enfermidades das plantas.

Cerca de 1,5 mil imagens de folhas doentes e saudáveis foram analisadas por engenheiros agrônomos da Embrapa, especialistas em plantas, utilizando um capacete com eletrodos que captam o sinal cerebral que é gerado, a cada identificação de enfermidade.

Em seguida, o algoritmo associa aquele sinal cerebral à representação, faz uma “calibragem”, ou seja, um ajuste, e oferece um diagnóstico, junto com uma medida de confiança desse diagnóstico que pode ser de 80, 90 ou 100%. Caso ela seja, menor que 70%, por exemplo, o algoritmo reapresenta a imagem ao pesquisador para que ele repita o processo e posse oferecer um diagnóstico mais assertivo.

  • Os modelos gerados a partir das correntes elétricas espontâneas emitidas no cérebro dos especialistas e do software permitiram treinar o algoritmo de inteligência artificial padrão para deixá-lo cada vez mais próximo do critério utilizado pelo especialista na identificação visual de doenças em plantas;

  • Após a captura dos sinais cerebrais que especialistas emitiam ao visualizar imagens de plantas doentes, o software automatizou o diagnóstico tornando a etapa mais rápida e eficiente;

  • Os resultados obtidos comparando os algoritmos pós-treinamento indicaram que praticamente estão no mesmo nível de precisão dos especialistas.

Aplicativo deverá estar pronto para testes em 2024

Os primeiros experimentos foram feitos com folhas de soja, mas, aos poucos, a tecnologia poderá ser aplicada em outras culturas. A ideia é que, até o início de 2024, um aplicativo para testes já esteja disponível. “Vamos oferecê-lo a um grupo maior de produtores rurais para que eles usem e nos dêem feed-backs a respeito da funcionalidade e confiabilidade do sistema.

Com a nova tecnologia, o que se espera é agilizar as tomadas de decisão no campo, com reduções de perdas nas produções e melhorias no uso de recursos naturais. E isso é o que mais gratifica Barbedo. É muito entusiasmante estar na fronteira do conhecimento, lidando com algo inédito que pode transformar a vida de milhares de produtores rurais”.

Além do ganho em agilidade no processo de classificação e anotação de dados, Barbedo explica que o sistema também possui “mecanismos de correção de possíveis erros, tornando o modelo que é treinado mais confiável”.

Agora, o projeto deve avançar na identificação do tipo de doença presente no cultivo de soja, iniciando pelas comercialmente mais significativas. Também está sendo avaliado a inclusão das culturas de milho e café nos experimentos.

Com o aprimoramento da solução, o pesquisador aponta, ainda, a pertinência do uso da tecnologia na estratégia de rotação das pastagens da pecuária leiteira, área em que faltam especialistas. Ele explica que durante o processo de rotação das pastagens, o recurso poderá ajudar na identificação do melhor local para a instalação dos piquetes.

Maria Teresa Leal é jornalista, pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação pela PUC Minas. Trabalhou nos jornais ‘Hoje em Dia’ e ‘O Tempo’ e foi analista de comunicação na Federação da Agricultura e Pecuária de MG.