Um dia antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) retomar o julgamento sobre a validade do marco temporal para demarcação de terras indígenas, a ministra Sonia Guajajara tratou do tema em uma reunião com o ministro Cristiano Zanin, na manhã desta terça-feira (29).
Oficialmente, o encontro tratou de uma “visita de cortesia”. Além da titular do Ministério dos Povos Indígenas, também participou do encontro Eloy Terena, secretário-executivo da pasta. A reunião foi feita no gabinete de Zanin na Corte.
O STF retoma a análise do marco temporal na quarta-feira (30). O placar está 2 a 1 contra a validade da tese para demarcação de territórios indígenas.
Há diferenças nos votos contrários, apresentados pelo relator, Edson Fachin, e por Alexandre de Moraes. O ministro Nunes Marques votou a favor do marco.
O caso põe em lados opostos ruralistas e povos originários, e começou a ser julgado no Supremo em 2021. Na ocasião, votaram Fachin e Nunes. Alexandre de Moraes votou em junho deste ano. Na sequência, André Mendonça pediu vista (mais tempo para análise).
Quando a Corte retomar o julgamento, na quarta-feira (30), Mendonça começará votando. Depois dele, vota Cristiano Zanin.
O marco temporal é uma tese jurídica defendida por ruralistas que contraria os interesses das populações indígenas. Ela determina que a demarcação de uma terra indígena só pode acontecer se for comprovado que os indígenas estavam sobre o espaço requerido em 5 de outubro de 1988 — quando a Constituição atual foi promulgada.
A exceção é quando houver um conflito efetivo sobre a posse da terra em discussão, com circunstâncias de fato ou “controvérsia possessória judicializada”, no passado e que persistisse até 5 de outubro de 1988.
O tema tem relevância porque será com este processo que os ministros vão definir se a tese do marco temporal tem validade ou não. O que for decidido valerá para todos os casos de demarcação de terras indígenas que estejam sendo discutidos na Justiça.
Votos
O relator do caso, ministro Edson Fachin, manifestou-se contra o marco temporal. Para o magistrado, a Constituição reconhece o direito de permanência desses povos independentemente da data da ocupação.
O ministro Nunes Marques, por sua vez, votou a favor da tese. Ele considerou que o marco deve ser adotado para definir a ocupação tradicional da terra por indígenas. Em sua justificativa, afirmou que a solução concilia os interesses do país e os dos povos originários.
O ministro Alexandre de Moraes votou contra a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas, mas avançou em determinados pontos para além da proposta do relator. A posição pode ser vista como uma espécie de “caminho do meio” em prol de conciliar pleitos de indígenas e de produtores rurais.
Entre as propostas do ministro, há a possibilidade de indenização prévia a fazendeiros que tenham ocupado de boa-fé territórios reconhecidos como de tradicional ocupação indígena. Diferentemente de como é hoje, Moraes propôs que os ocupantes sejam indenizados pelo valor da terra em si e por eventuais benfeitorias feitas no local.
O ministro também defendeu a possibilidade de haver uma “compensação” aos povos originários para terras em que houver uma ocupação “consolidada” por não indígenas ou em que a demarcação seja contrária ao interesse público. Nesses casos, seria concedido aos indígenas um território equivalente ao de tradicional ocupação.
Entidades e organizações indígenas reconhecem a importância de Moraes ter votado para invalidar a tese do marco temporal, mas criticam as medidas propostas pelo ministro, como a indenização pela terra e a possibilidade de compensação de territórios considerados consolidados.