Preso três vezes pela Polícia Federal (PF) no Brasil, com mandado de prisão em aberto e com pedido para que seu nome entre na difusão vermelha da Interpol (a polícia internacional), Oswaldo Eustáquio tem uma rotina normal entre Pedro Juan Caballero, no Paraguai, e cidades de Mato Grosso do Sul, como Ponta Porã e Dourados.
Em entrevista exclusiva à CNN por telefone e vídeo, Eustáquio diz que corta o cabelo em Ponta Porã, almoça no Brasil, vive com tranquilidade, nega ser foragido e se declara como um refugiado político.
A CNN apurou que há um mandado de prisão temporária em aberto contra ele por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), mas que não consta no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), o que influencia em uma possível prisão do suspeito. Para a defesa de Eustáquio, o mandado “não se sustenta e é ilegal”.
A minha rotina tem sido tranquila. Eu tenho endereço fixo, eu tenho padronamento aqui no Paraguai. Então eu tenho rotina fixa, eu vou para fisioterapia, eu vou para o shopping almoçar, não sou um foragido da Justiça. Eu sou um refugiado político aqui no Paraguai, protegido pela lei
Oswaldo Eustáquio
“Já tentaram fazer uma incursão [prisão] contra mim aqui. E a própria polícia do Paraguai disse ‘não, nós não podemos prendê-lo porque ele tem que ser protegido por nós’ — e qualquer ação e tentativa do governo brasileiro de fazer isso vai ser uma tentativa de afetar a soberania do Paraguai”, contou Eustáquio, que é filho de uma paraguaia.
Sobre a medida do ministro do STF Alexandre de Moraes de determinar sua inclusão na lista de procurados na difusão vermelha da Interpol, Eustáquio diz ser vítima de perseguição, bem como sua família.
“Foi uma medida que ultrapassou o limite da perseguição e já entrou numa fase de inquisição. Porque o alerta vermelho é para procurar traficantes internacionais de drogas de órgãos terroristas. Então eu achei exagerado, descabido e imoral”.
Na entrevista, Eustáquio também disse que foi espancado e torturado no Complexo da Papuda, em Brasília, quando foi preso pela primeira vez, e que denunciou o caso à Corregedoria. À CNN, a Secretaria de Administração Penitenciário confirmou que ele denunciou “diversos episódios de tortura e espancamentos”. A Seap, porém, diz que até o momento nenhum laudo pericial de polícia judiciária constatou esta tese.
Não há prazo para Interpol
À CNN, a Polícia Federal explicou como funciona o trâmite após a determinação do STF de incluir o nome de Oswaldo Eustáquio na Interpol. Segundo a PF, as notificações vermelhas são publicadas após a solicitação dos juízos responsáveis pela expedição das ordens de prisão, nos casos em que há suspeita de que a pessoa procurada tenha deixado o país.
“Nesta solicitação, o juízo assume o compromisso e demonstra o interesse em instruir eventual pedido de extradição, caso o foragido seja localizado e preso em outro país.
Toda a documentação relativa ao caso (mandado de prisão, decisão judicial, etc.) é encaminhada a uma das Representações Regionais da Polícia Federal, onde é feita uma análise quanto aos aspectos formais da documentação, bem como cabe à Representação Regional o preenchimento de um formulário com os dados que constarão na notificação vermelha”.
Os documentos são enviados ao Escritório Central da Interpol, Divisão subordinada à Diretoria de Cooperação Internacional da Polícia Federal, local onde é feita uma segunda análise, novamente quanto aos aspectos formais e traduzidos os documentos para um dos idiomas oficiais (inglês, espanhol, francês ou árabe).
Por fim, são encaminhados os dados (formulário) à sede da Interpol em Lyon (França), de forma eletrônica, onde a solicitação passará por uma análise formal e “material”, esta última relativa ao cumprimento das regras da Interpol.
Havendo dúvida ou necessidade de algum esclarecimento diante da solicitação de publicação da notificação vermelha, poderá a Interpol solicitar esclarecimentos. A decisão sobre a publicação da Notificação, assim, cabe à Organização sediada em Lyon.
“Não há qualquer prazo estabelecido nos normativos da Interpol, sendo usual que a publicação ocorra em questão de dias, todavia não é excepcional que sejam demandadas mais informações e o pedido demora mais tempo”, finalizou a PF.
Defesa contesta
A defesa de Oswaldo Eustáquio acredita que o nome dele não será incluído na lista de procurados da Interpol, pois “não há reciprocidade de crime”, que é quando existe o crime no outro país pelo qual a pessoa é acusada no Brasil. Nesse caso, “atentado ao Estado Democrático de Direito”.
“Se ele fosse acusado de algo que é crime nos dois países, ele poderia ter o nome incluso na lista da Interpol, mas mesmo assim com status de refugiado ou asilado ele não poderia ser deportado, ou extraditado. Como no caso dele pelo visto não há reciprocidade é bem provável que não vá ser incurso na lista da Interpol e nem deportado ao Brasil”, disse o advogado Ricardo Freire Vasconcellos.
Tentativa de prisão
Em março deste ano, após o STF determinar sua prisão, a polícia do Paraguai localizou Eustáquio, mas a prisão foi frustrada por causa de um pedido de asilo no país vizinho. Oswaldo Eustáquio atualmente é protegido do governo paraguaio.
O mandado de prisão havia sido autorizado por Moraes, por suspeita de participação e incitação de atos antidemocráticos. Também mirou um sócio dele, que acabou preso.
Na ocasião, a polícia paraguaia, em ação conjunta com o Brasil, chegou até eles no momento em que a dupla fazia uma transmissão de vídeo na internet.
De acordo com fontes da PF, apesar da ordem de prisão pesar contra a dupla, o mandado contra Oswaldo Eustáquio não foi cumprido devido ao pedido de asilo político, que está em análise pelas autoridades do Paraguai.
“Tortura e espancamentos”
Na entrevista à CNN, Oswaldo Eustáquio também disse que, em dezembro de 2020, quando foi preso, foi espancado e torturado por diversas vezes no Complexo da Papuda, presídio de Brasília. Segundo ele, houve um episódio que precisou ser levado ao Hospital de Base do Distrito Federal. “Entrei na cadeia caminhando e saí de cadeira de rodas”, declarou.
A reportagem procurou a Secretaria de Administração Penitenciária do DF, responsável pela Papuda. A Seap confirmou que “neste período, ele [Eustáquio] relatou diversos episódios de tortura e espancamentos”. No entanto, de acordo com a Secretaria, “até o momento, nenhum laudo pericial de polícia judiciária constatou esta tese”.
“No decorrer das investigações criminais e administrativas não foi constatada nenhuma conduta irregular de policial penal que corrobora com a tese apresentada pelo egresso”, informou a Seap em nota.
Leia a íntegra da entrevista
CNN: O que achou da decisão do ministro Moraes?
O.E.: Foi uma medida que ultrapassou o limite da perseguição e já entrou numa fase de inquisição. Porque o alerta vermelho da Interpol é para procurar traficantes internacionais de drogas de órgãos terroristas. Não jornalista profissional pelo exercício da sua profissão. Então eu achei exagerado, descabido. imoral essa tentativa de inclusão. A minha expectativa é que não seja atendida. Pela centenária e nobre Interpol, que reza, em seu artigo segundo de forma específica: garantir os direitos da declaração universal dos direitos humanos. E no seu artigo terceiro: a não inclusão de nenhum tipo de ação de perseguição, política, religiosa e racial.
– Como está sua rotina após prisões e pedido para entrar na Interpol?
O.E.: O meu barbeiro é em Ponta Porã (MS). A minha rotina tem sido tranquila. Eu tenho endereço fixo, eu tenho padronamento aqui no Paraguai, que no padronamento você avisa a polícia do seu endereço. E eu fiz meio padronamento lá em Assunção. Então eu tenho rotina fixa, eu vou para fisioterapia, eu vou pro shopping almoçar, eu tenho endereço fixo, não sou um foragido da justiça. Eu sou um refugiado político aqui no Paraguai, protegido pela Lei 1938.02, tanto que já tentaram fazer uma incursão contra mim aqui. E a própria ‘fiscalia’ [polícia] do Paraguai disse ‘não, nós não podemos prendê-lo porque ele tem que ser protegido por nós’ – e qualquer ação e tentativa do governo brasileiro fazer isso vai ser uma tentativa de afetar a soberania do Paraguai. Assim como fizeram em 1861, na guerra do Paraguai.
CNN: Sua defesa diz que o senhor é um refugiado político. O senhor se considera perseguido por ter apoiado o ex-presidente Bolsonaro?
O.E.: Quando eu entrei no Brasil eu não sabia que tinha mandado de prisão contra mim, eu fiquei sabendo de 17 de março, quando a polícia me prendeu. E na fronteira normal, você atravessa para cá, atravessa para lá. Normal.
Se você entrar no CNJ, no banco BNMP [banco nacional de mandados de prisão], hoje você vai ver que não consta nada contra mim. Então, se eu passasse numa PRF [Polícia Rodoviária Federal]. como passei algumas vezes ali entre Ponta Porã e Dourados, eu paro para tomar um café com a com a Polícia Rodoviária Federal, e não tem nada.
Lógico que eu sei que existe um mandado de prisão temporária contra mim, que não se sustenta.
CNN: Pretende voltar ao Brasil para morar?
O.E.: Eu sou um perseguido político. Sou um perseguido político e a perseguição sobre mim virou uma inquisição. Eu fui preso 3 vezes no âmbito do inquérito 4828, que foi arquivado sem sequer oferecer denúncia do MP. Ou seja, foi uma prisão inócua, uma prisão que não valeu de nada.
Entrei na cadeia andando, e saí sobre uma cadeira de rodas. Mandaram bloquear a conta da minha filha. A minha filha tem 15 anos, é uma adolescente. Ela nunca é investigada. É a primeira criança no mundo a ser alvo de punição pela Suprema Corte de um país sem sequer ser investigada. Isso é uma perseguição violenta e essas atitudes do STF estão fazendo com que a Justiça Brasileira seja desmoralizada em âmbito Internacional.
Sobre as declarações de Oswaldo Eustáquio, a CNN procurou o Supremo Tribunal Federal e o gabinete do ministro Moraes, mas não obteve retorno.