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Leite fermentado de cranberry pode prevenir infecções urinárias

Nova formulação combina os benefícios dos probióticos com os compostos bioativos do cranberry

Testes laboratoriais indicaram a presença de proantocianidinas, especialmente do tipo A, substância associada à redução da aderência de bactérias como Escherichia coli à parede do trato urinário e cepas de Lactobacillus acidophilus

Uma nova abordagem para a prevenção de infecções do trato urinário (ITUs) está sendo desenvolvida por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em uma colaboração entre a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) e a Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA). Eles criaram um leite fermentado probiótico, enriquecido com suco de cranberry, que promete ser uma alternativa inovadora para lidar com um problema de saúde que afeta anualmente cerca de 150 milhões de pessoas em todo o mundo. Esta formulação combina os benefícios de bactérias probióticas presentes no leite fermentado com os compostos bioativos da cranberry, uma fruta já reconhecida por suas propriedades na prevenção de ITUs.

Combate à Resistência Antibiótica: A Urgência por Alternativas Naturais As infecções urinárias são desencadeadas pela presença de bactérias na urina que alcançam a bexiga e outras partes do trato urinário. Em casos graves, a condição pode progredir para pielonefrite, uma infecção renal. De acordo com Karina de Fátima Bimbatti, autora da pesquisa, a infecção é considerada recorrente quando um paciente tem mais de dois episódios em seis meses ou mais de três em um ano. Embora o tratamento padrão para casos agudos de ITU envolva antibióticos, o uso excessivo ou inadequado desses medicamentos tem contribuído para um preocupante aumento da resistência bacteriana. Essa realidade tem incentivado cientistas a buscarem alternativas naturais eficazes para prevenir a recorrência da doença.

A Sinergia Inovadora de Probióticos e Cranberry A concepção desta bebida é vista como um avanço na área de saúde preventiva e de alimentos funcionais, conforme destacado pela professora Carmem Sílvia Favaro Trindade, da FZEA, onde todos os testes laboratoriais foram realizados. O leite fermentado foi projetado para explorar o potencial efeito sinérgico de um microrganismo probiótico – que tem a capacidade de restabelecer o equilíbrio da microbiota urogenital – em conjunto com o suco concentrado de cranberry e seus compostos bioativos.

Testes laboratoriais revelaram a presença significativa de proantocianidinas (PACs), especialmente do tipo A, que são substâncias associadas à redução da aderência de bactérias como a Escherichia coli (E. coli) à parede do trato urinário. O produto também contém cepas de Lactobacillus acidophilus, conhecidas por sua contribuição para o equilíbrio da flora intestinal. Uma revisão sistemática prévia, conduzida por Karina Bimbatti, já havia demonstrado que o extrato de cranberry possui ação antimicrobiana não apenas contra a Escherichia coli, a principal causadora das ITUs, mas também contra outras bactérias como Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Serratia marcescens e Enterococcus faecalis, reforçando seu potencial preventivo.

Aceitação no Mercado e Etapas de Desenvolvimento Para avaliar o interesse público e a prevalência da doença, Karina Bimbatti conduziu uma pesquisa de mercado online com 687 participantes. Os dados confirmaram a maior prevalência da doença entre mulheres, com 79,9% dos respondentes sendo do sexo feminino e metade declarando já ter tido ITU. Desse grupo, 10,8% relataram sofrer de episódios recorrentes. O levantamento também indicou uma boa receptividade a alternativas naturais, com 45,7% dos participantes dispostos a pagar R$ 5 ou mais por um produto funcional preventivo.

No desenvolvimento do produto, o suco concentrado de cranberry foi inicialmente analisado de forma isolada, revelando a presença de 117 miligramas de proantocianidinas totais e 16 miligramas do tipo A a cada 100 gramas. Em seguida, foram formuladas três amostras de leite fermentado: uma sem suco de cranberry e duas com 5% e 10% de suco. Essas amostras foram monitoradas por 28 dias em geladeira para analisar fatores como acidez, pH e o teor de proantocianidinas. Ao final, 116 consumidores participaram de testes para avaliar os atributos sensoriais e a intenção de compra.

Resultados Promissores e Desafios de Estabilidade As duas formulações da bebida com cranberry (5% e 10% de suco) apresentaram bons níveis de proantocianidinas e um crescimento satisfatório do probiótico Lactobacillus acidophilus. Ambas as versões tiveram boa aceitação sensorial entre os consumidores. No entanto, a bebida com 5% de suco de cranberry foi considerada a mais promissora para futura comercialização, pois alcançou o melhor equilíbrio entre benefícios funcionais, estabilidade do produto e sabor. Karina Bimbatti explicou que a versão de 5% foi mais bem-aceita por ser mais adocicada, um fator essencial para um alimento de consumo diário.

A pesquisa também identificou um desafio crucial: a viabilidade dos Lactobacillus acidophilus durante o armazenamento. Observou-se uma queda na viabilidade dos probióticos nas formulações com cranberry logo no primeiro dia. Após 28 dias, a redução foi mais acentuada na amostra com 10% de cranberry, que caiu para 5,04 log UFC/mL – um valor abaixo do mínimo recomendado de 6 log UFC/mL para que um alimento seja considerado probiótico e os microrganismos cheguem vivos ao intestino. A versão com 5% de suco manteve uma melhor estabilidade, atingindo 7,11 log UFC/mL. A pesquisadora esclarece que, embora o aumento da concentração de cranberry eleve o teor de proantocianidinas, ele também diminui o pH da bebida, o que compromete a viabilidade dos probióticos e a aceitação sensorial devido ao sabor mais ácido.

Próximos Passos: Da Pesquisa à Aplicação Comercial A pesquisa de mestrado, que deu origem a este desenvolvimento, foi concluída em agosto de 2024 e já teve seus achados descritos em um artigo publicado na revista internacional Food Research International.

Apesar dos resultados promissores obtidos em laboratório, a professora Carmem Sílvia Favaro Trindade ressalta que a eficácia do produto ainda precisa ser comprovada por meio de ensaios clínicos. Adicionalmente, a viabilidade comercial dependerá do interesse da indústria em levar o produto para o mercado e torná-lo acessível aos consumidores. A orientadora da pesquisa pela EERP foi a professora Fabiana Faleiros Castro.

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