A geração millennial está, oficialmente, enfrentando sua própria crise de meia-idade. Como observador atento desse momento – mas fora dessa faixa geracional – percebo que o que era, antes, uma fase marcada por clichês de tédio e questionamentos existenciais, agora ganha contornos bem mais complexos. A crise chega para os
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A geração que viveu a era do propósito
Durante as últimas duas décadas, os millennials foram ensinados a colocar o propósito no centro de tudo. A promessa era simples: buscar sentido no trabalho, nas escolhas pessoais e até nas formas de consumo seria o caminho para uma vida plena. Mais do que um objetivo, o propósito virou uma filosofia de vida. Tornou-se um mantra inspirador, quase espiritualizado, capaz de redefinir carreira, lazer e até os rumos do futuro.
O impacto de acreditar em uma nova lógica de vida
Os millennials, nascidos entre 1981 e 1996, abraçaram com força esse discurso. Foram pioneiros no debate sobre saúde mental, diversidade, responsabilidade social e qualidade de vida nas organizações. Lideraram mudanças importantes, questionaram padrões antigos e abriram novas fronteiras éticas e culturais dentro e fora do mercado de trabalho.
Quando o sonho virou peso
Mas, ao cruzarem a barreira dos 40 anos, muitos começam a sentir o peso invisível de terem sustentado esse modelo por tanto tempo. O que parecia uma revolução se revelou, em muitos casos, uma fonte de frustração. O tão celebrado universo das startups, da gig economy, dos coworkings e do nomadismo digital mostrou um lado menos romantizado: insegurança financeira, falta de amparo social e instabilidade emocional.
Dados que escancaram a realidade
Os números reforçam o que já é perceptível no cotidiano. Segundo o relatório The Emerging Millennial Wealth Gap, os millennials ganham hoje, em média, 20% menos do que os baby boomers recebiam na mesma faixa etária. Metas como comprar um imóvel ou formar uma família são adiadas. Não por escolha, mas por falta de condições reais. Dívidas estudantis, salários estagnados e contratos temporários se tornaram parte da rotina de muitos.
Uma geração em luto silencioso
Esse cenário gera um tipo de luto silencioso. Não é o tédio existencial dos anos 1990. É a dor de promessas não cumpridas. O famoso “faça o que ama” virou sinônimo de burnout. O “seja seu próprio chefe” muitas vezes significa precarização. E a tão desejada liberdade acabou se transformando em ansiedade crônica.
O que vem depois do propósito?
Essa é a pergunta que mais ouço e leio em rodas de conversa, artigos e nas redes sociais. O que surge agora é uma busca por um pacto mais realista com a vida. Um pacto que entenda que nem todo trabalho será apaixonante, mas pode ser digno. Que nem todo projeto será inovador, mas pode garantir estabilidade. Que viver bem talvez seja menos sobre grandiosidade e mais sobre coerência entre o que se sonha e o que se faz.
Pertencimento: a nova busca
O conceito que começa a ganhar força é o de pertencimento. Mas não o pertencimento artificial das redes sociais ou das bolhas digitais. Falo de pertencimento real: construir vínculos de verdade, fazer parte de comunidades tangíveis, participar de uma economia que acolha em vez de excluir. É um movimento de sair da lógica do “eu produzo, logo existo” e entrar na do “eu me conecto, logo persisto”.
Redefinindo o que é viver bem
A grande virada de chave parece ser a aceitação de que sentido de vida não se performa. Ele se constrói, dia após dia, nas escolhas pequenas e reais. Talvez o maior desafio da geração millennial, agora, seja justamente abrir mão da ideia de uma vida espetacular para abraçar o valor de uma vida verdadeira. Com vínculos, pausas, limites e, principalmente, pertencimento.
Um tempo de menos corrida e mais verdade
Chegou a hora de parar de correr atrás de aplausos invisíveis. Esse novo ciclo da vida pede menos frases de efeito e mais atitudes com sentido. Menos máscaras, mais gestos concretos. Menos promessas vazias, mais chão firme debaixo dos pés. Não se trata de abandonar os sonhos. Longe disso. É sobre abrir espaço para que eles cresçam de forma mais simples, mais orgânica, respeitando os limites que a vida e o próprio coração colocam no caminho.
De onde estou, como simples observador desse movimento, vejo com clareza: os millennials foram como navegadores de um mar desconhecido. Testaram rotas, acreditaram em mapas desenhados às pressas, e enfrentaram tempestades que não estavam previstas. Sentiram na pele o gosto amargo das promessas não cumpridas, mas também abriram clareiras importantes na floresta escura da modernidade.
Talvez agora seja o tempo de menos barulho e mais escuta. De menos performance e mais conexão com o que é essencial. Um tempo de voltar os olhos para dentro e, com humildade, reconstruir os próprios caminhos com as ferramentas que realmente têm nas mãos.
Para quem quiser se aprofundar:
Livros recomendados:
- “A Sociedade do Cansaço” – Byung-Chul Han
- “O Mito do Empreendedorismo” – Gustavo Tanaka
- “Como Mudar o Mundo – O Guia do Empreendedor Social” – David Bornstein
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- TED Talk: “O perigo de uma única história” – Chimamanda Ngozi Adichie
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Documentário: “Minimalism: A Documentary About the Important Things” – disponível na Netflix
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