Uma frase que ainda nos alerta para o perigo da desconexão
Há frases que resistem ao tempo porque condensam, com brutal lucidez, a essência de nossos dilemas mais profundos. Uma delas é atribuída a Albert Einstein: “Não sei como será a terceira guerra mundial, mas a quarta será com paus e pedras.” Essa imagem não é apenas uma metáfora sobre o retrocesso ela aponta para o que acontece quando falhamos, como humanidade, em lidar com nossas tensões mais básicas: caímos em ciclos de destruição. Mais do que sobre bombas, Einstein falava sobre a falência do diálogo, da empatia e da maturidade coletiva.
Uma sociedade que não sustenta o desconforto
Vivemos hoje, como sociedade, um momento crítico. E, ao contrário do que muitos imaginam, não é o avanço tecnológico ou a polarização política que nos ameaça mais. É a incapacidade de sustentar o desconforto. De olhar para os conflitos como parte natural da convivência e não como falhas que devem ser eliminadas. Em todos os espaços: no trabalho, nas famílias, nas redes sociais o conflito virou sinônimo de erro, de inimigo, de algo a ser evitado a qualquer custo. Mas essa lógica é falha.
Complexidade e tensão: lições de Edgar Morin
O pensador francês Edgar Morin nos ensina, em seu livro “A Cabeça Bem-Feita”, que complexidade não é um problema a ser resolvido, mas uma realidade a ser compreendida. E o conflito é justamente um dos sinais da complexidade humana. Quando há diversidade real de histórias, origens, identidades e formas de pensar o embate é inevitável. E, paradoxalmente, necessário.
O desafio das novas presenças nos espaços de poder
Por isso, cada vez que dizemos querer mais diversidade em conselhos, equipes, universidades ou movimentos sociais, devemos entender que estamos, também, assumindo a responsabilidade de aprender a conviver com a tensão que ela traz. Afinal, a presença de corpos historicamente silenciados nesses espaços não só altera as narrativas como também abala estruturas. É um processo legítimo e desconfortável, para muitos. Não há diversidade sem divergência. E não há divergência sem tensão.
Aprendemos a sobreviver, mas não a escutar
Contudo, aprendemos a reagir a essa tensão com as armas que estavam disponíveis: violência, omissão, manipulação. Quando falta escuta, surge o sarcasmo. Quando falta segurança, surgem os gritos. Quando falta maturidade, surgem os silêncios defensivos. Não porque somos ruins, mas porque não fomos ensinados a fazer diferente.
Tensão mal cuidada vira ressentimento
Essa lógica aparece de forma sutil em ambientes corporativos. Reuniões tensas viram tabuleiros de poder. Feedbacks viram armas. O silêncio se transforma em afastamento. A tensão que não encontra canal de expressão se acumula, e o acúmulo vira ressentimento. O ressentimento, por sua vez, mina qualquer possibilidade de confiança ou colaboração. E quando isso acontece, todos perdem.
A palavra como ferramenta de reconstrução
O que defendo aqui, portanto, é a centralidade da palavra. Mas não qualquer palavra: não a que acusa, interrompe ou defende território. Falo da palavra que escuta, que nomeia sem julgar, que se responsabiliza sem se justificar, que transforma em vez de apenas se proteger. Como lembra Marshall Rosenberg, criador da Comunicação Não Violenta, a linguagem pode ser um muro ou uma ponte. A escolha é sus é nossa.
Conversar é mais difícil do que reagir
Quando usamos a palavra como instrumento de reconstrução, começamos a operar em outro registro. A raiva vira expressão legítima. A insegurança vira escuta. A desconfiança vira curiosidade. A conversa vira ponte. Isso não é poesia, é prática. Uma prática que começa quando trocamos o impulso de julgar pela coragem de perguntar.
Escutar sem resposta é maturidade em ação
Dizer “isso me incomodou, podemos conversar?” exige mais força do que gritar ou se calar. Perguntar “como você se sentiu?” demanda mais empatia do que supor a intenção do outro. E aceitar o silêncio do outro sem forçar respostas, sem se armar é talvez uma das formas mais nobres de sustentar a tensão até que ela se transforme.
Liderança que sustenta vínculo, não só discurso
Essa perspectiva exige de todos nós uma nova maturidade. Um novo tipo de liderança. Uma liderança que não se define apenas pela capacidade de inspirar em tempos calmos, mas de sustentar o vínculo nos tempos difíceis. Líderes que não fogem da tensão, mas a acolhem como parte do processo de mudança. Que entendem que o desconforto, quando bem cuidado, é o prenúncio de algo novo.
Entre o cansaço e o silêncio: onde estamos?
Nas palavras do filósofo Byung-Chul Han, vivemos em uma sociedade do cansaço, onde o excesso de positividade e performance nos faz evitar todo tipo de fricção. Mas esse escapismo emocional tem um custo alto: enfraquece os vínculos, impede o amadurecimento e nos afasta da construção de realidades mais coletivas. Fugir do conflito não é neutralidade é escolha. E uma escolha que perpetua desigualdades.
O convite à transformação está no desconforto
Transformar o conflito em caminho, portanto, é um ato político. E, acima de tudo, humano. Porque ele nos obriga a abandonar a ideia de controle, a escutar o que não gostaríamos, e abrir espaço para aquilo que ainda não tem forma definida. E esse espaço é fértil. Porque no centro da tensão está a semente do que ainda não é, mas pode vir a ser.
Dê nome, substitua o julgamento, cultive a escuta
Quando não nomeamos o conflito, ele se alastra em silêncio. Por isso, dê nome ao que está acontecendo. O que é nomeado pode ser cuidado. O que é cuidado pode ser transformado. Use a curiosidade como ponte. Troque a pressa da resposta pela escuta que sustenta. Transforme o feedback em um presente, e não em punição. E, sobretudo, lembre-se de que sustentar o silêncio é também um ato de presença. Nem tudo precisa ser resolvido agora. Algumas coisas precisam apenas ser sustentadas até que amadureçam.
Nossa guerra não é nuclear, é emcional
A guerra com paus e pedras de Einstein talvez não seja literal, mas ela se materializa todos os dias nas pequenas guerras que travamos: entre departamentos, entre opiniões, entre gerações, entre nós e nós mesmos. E talvez a maior revolução que possamos protagonizar neste século não venha da tecnologia, da ciência ou da política. Mas da palavra.
Porque toda ruptura nasce da linguagem. E toda reconstrução também.