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Projeto que quer proibir transição de gênero para menores em BH é inconstitucional, diz especialista

Proposta, de autoria do vereador Vile (PL), foi protocolada nesta quarta-feira (29) na Câmara Municipal de Belo Horizonte, no Dia Nacional da Visibilidade Trans

No Brasil, por lei, apenas maiores de 18 anos podem realizar a cirurgia de afirmação de gênero.

O vereador de Belo Horizonte Vile (PL) protocolou na Câmara Municipal (CMBH) um projeto de lei que quer proibir a cirurgia de redesignação e tratamentos hormonais, relacionados à transição de gênero, para menores de 18 anos. Porém, de acordo com especialistas, consultados pela Itatiaia, o PL é inconstitucional.

No Brasil, por lei, a operação de “afirmação de gênero” só pode ser feita por adultos que tenham mais de 18 anos. Isso, conforme o projeto proposto, não muda.

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Entretanto, antes da cirurgia, há o processo de hormonização — um tratamento feito com o uso de hormônios indicados por prescrição médica que auxiliam na modificação de características físicas adaptados à identidade de gênero do paciente. Por recomendação do Conselho Federal de Medicina (CMF), adolescentes a partir dos 16 anos já podem dar início ao tratamento, desde que tenham autorização dos responsáveis, como explica Alexandre Bahia, vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas Gerais (OAB-MG).

“A ideia, principalmente para o menor de idade, é fazer o bloqueio hormonal logo que a pessoa entra na fase de puberdade, justamente para que o indivíduo não desenvolva as características físicas com gênero com qual ele não se identifica. Ao completar 18 anos, aí sim teria a possibilidade dessa pessoa fazer a cirurgia, inclusive tudo isso — bloqueio, a hormonização e a cirurgia — podem, inclusive, ser feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”.
Alexandre Bahia.

O texto apresentado pelo vereador, no entanto, proíbe o procedimento para menores de idade, mesmo que esses tenham o consentimento dos responsáveis.

Projeto é inconstitucional, afirma especialista

Segundo o advogado constitucionalista Alessandro Azzoni, consultado pela Itatiaia, a CMBH não teria competência para decidir sobre o tema. “Aos municípios cabem simplesmente a questão suplementar, ou seja, suplementar as leis federais”, explicou.

Azzoni afirma que o caso específico de cirurgias de afirmação de gênero está “diretamente relacionado” à saúde pública e também aos direitos individuais. “Esses temas já são regulados, principalmente pela União. Portanto, a competência para legislar sobre o assunto é federal. O município não poderia editar normas que contrariam ou restringem direitos já garantidos pela legislação federal”, explicou.

Para o advogado, o texto, protocolado na CMBH, viola direitos fundamentais básicos:

  • Direito à saúde: “Estaria privando, proibindo tratamentos médicos reconhecidos e necessários para população trans, especialmente nas questões de tratamentos reconhecidos por entidades médicos ou psicológicas, tipo o CFM e a Associação Americana de Psiquiatria (APA)”, detalhou.
  • Direito à igualdade: “A proibição específica das pessoas trans configura uma discriminação com base no gênero, violando o princípio da igualdade”.
  • Direito à liberdade: “O projeto, praticamente, interfere na liberdade das pessoas decidirem sobre seus próprios corpos e tratamentos médicos”.
  • Direito à dignidade humana: “Esses tratamentos de transição de gênero nega a dignidade da pessoa transgênero que tem o direito de viver segundo a sua identidade de gênero. Nossa Constituição Federal assegura que todos os indivíduos devem ser tratados com respeito e consideração, independente da sua identidade de gênero”.

Ele ainda conta que a proposta apresenta uma contravenção à legislação federal que regulamenta o acesso ao tratamento de transição de gênero.

O “processo transexualizador” do SUS foi instituído em 2008 para oferecer atendimento integral à população trans, incluindo acompanhamento psicológico, terapia hormonal e cirurgias de adequação de gênero.

“O CFM estabelece diretrizes éticas e técnicas para a realização dos procedimentos de transição de gênero, incluindo tratamentos hormonais e cirurgias. Essas normas têm caráter nacional, não municipal. Então, se nós fomos fazer uma análise desse projeto de autoria do vereador, é inconstitucional, pois viola direitos fundamentais garantidos pela Constituição”.
Alessandro Azzoni.

Nesta quarta-feira (29), é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. De acordo com um levantamento feito pela Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (RedeTrans), o país registrou, em 2024, 105 mortes de travestis e transexuais.

Apesar de serem 14 a menos do que no ano anterior, o Brasil ainda é, pelo 17º ano consecutivo, o país que mais mata pessoas trans no mundo. Essas informações estão disponíveis no “Dossiê: Registro Nacional de Mortes de Pessoas Trans no Brasil em 2024: da Expectativa de Morte a um Olhar para a Presença Viva de Estudantes Trans na Educação Básica Brasileira”, disponibilizados hoje.


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Jornalista pela UFMG com passagem pela Rádio UFMG Educativa. Na Itatiaia desde 2022, atuou na produção de programas, na reportagem na Central de Trânsito e, atualmente, faz parte da editoria de Política.