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No Brasil, por lei, a operação de “afirmação de gênero” só pode ser feita por adultos que tenham mais de 18 anos. Isso, conforme o projeto proposto, não muda.
Entretanto, antes da cirurgia, há o processo de hormonização — um tratamento feito com o uso de hormônios indicados por prescrição médica que auxiliam na modificação de características físicas adaptados à identidade de gênero do paciente. Por recomendação do Conselho Federal de Medicina (CMF), adolescentes a partir dos 16 anos já podem dar início ao tratamento, desde que tenham autorização dos responsáveis, como explica Alexandre Bahia, vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas Gerais (OAB-MG).
O texto apresentado pelo vereador, no entanto, proíbe o procedimento para menores de idade, mesmo que esses tenham o consentimento dos responsáveis.
Projeto é inconstitucional, afirma especialista
Segundo o advogado constitucionalista Alessandro Azzoni, consultado pela Itatiaia, a CMBH não teria competência para decidir sobre o tema. “Aos municípios cabem simplesmente a questão suplementar, ou seja, suplementar as leis federais”, explicou.
Azzoni afirma que o caso específico de cirurgias de afirmação de gênero está “diretamente relacionado” à saúde pública e também aos direitos individuais. “Esses temas já são regulados, principalmente pela União. Portanto, a competência para legislar sobre o assunto é federal. O município não poderia editar normas que contrariam ou restringem direitos já garantidos pela legislação federal”, explicou.
Para o advogado, o texto, protocolado na CMBH, viola direitos fundamentais básicos:
- Direito à saúde: “Estaria privando, proibindo tratamentos médicos reconhecidos e necessários para população trans, especialmente nas questões de tratamentos reconhecidos por entidades médicos ou psicológicas, tipo o CFM e a Associação Americana de Psiquiatria (APA)”, detalhou.
- Direito à igualdade: “A proibição específica das pessoas trans configura uma discriminação com base no gênero, violando o princípio da igualdade”.
- Direito à liberdade: “O projeto, praticamente, interfere na liberdade das pessoas decidirem sobre seus próprios corpos e tratamentos médicos”.
- Direito à dignidade humana: “Esses tratamentos de transição de gênero nega a dignidade da pessoa transgênero que tem o direito de viver segundo a sua identidade de gênero. Nossa Constituição Federal assegura que todos os indivíduos devem ser tratados com respeito e consideração, independente da sua identidade de gênero”.
Ele ainda conta que a proposta apresenta uma contravenção à legislação federal que regulamenta o acesso ao tratamento de transição de gênero.
O “processo transexualizador” do SUS foi instituído em 2008 para oferecer atendimento integral à população trans, incluindo acompanhamento psicológico, terapia hormonal e cirurgias de adequação de gênero.
Nesta quarta-feira (29), é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. De acordo com um levantamento feito pela Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (RedeTrans), o país registrou, em 2024, 105 mortes de travestis e transexuais.
Apesar de serem 14 a menos do que no ano anterior, o Brasil ainda é, pelo 17º ano consecutivo, o país que mais mata pessoas trans no mundo. Essas informações estão disponíveis no “Dossiê: Registro Nacional de Mortes de Pessoas Trans no Brasil em 2024: da Expectativa de Morte a um Olhar para a Presença Viva de Estudantes Trans na Educação Básica Brasileira”, disponibilizados hoje.