A gente já está sabendo (ou pelo menos devia) que boa parte dos nossos problemas tem a ver com falta de perspectiva. Essa confusão no Congresso, nas redes sociais, na vida, tem a ver, ao fim e ao cabo, com nossas manias. Temos o péssimo hábito de nos iludir com aquilo que reforça nosso ponto de vista, nossa visão de mundo.
Anota aí: uma boa maneira de vencer discussões é questionar, atravessar, assumir pontos de vista. “Se todo ponto de vista é a vista de um ponto” (Boff), é preciso, para enxergar bem, ter muitas reticências... Isso porque há algo que a birra do outro sugere e que cabe à empatia garimpar; é na reciprocidade que se constroem soluções e sentido. O entendimento requer um passo atrás, pausas...
A dinâmica contemporânea das redes sociais nos tem roubado perspectiva! No imediatismo e na futilidade do feed, a gente não digere: vomita — na forma de crítica e comentário — essa “coisa ausente” que nos atormenta. Na medida em que os algoritmos nos treinam para pensar que a realidade se resume à nossa visão de mundo, a gente perde a capacidade de ver as coisas sob outro ângulo.
Pensar assim faz todo sentido quando, para entender, por exemplo, em que medida é a falta de assunção de perspectivas que inviabiliza entendimentos... Diante de uma discussão é preciso sempre estar atento ao que o protesto do outro insinua! Vale a pena se perguntar: “Tá, mas o que ele está realmente tentando dizer?”.
É muito interessante que, nos Evangelhos, Jesus sempre provoque quem vem a Ele ensurdecido de certezas com: “Como lês?” (Lc 10,26), “Que vos parece?” (Mt 21,28)... Esse convite (ou mais que convite: permissão) para que quem está diante de nós possa “vir a ser” com suas questões é fundamental. É preciso, em diálogos e relações, deixar emergir o outro — inclusive com suas falhas e equívocos.
Do contrário, mesmo aquilo que estivermos tentando ensinar pode se perder, se perdermos de vista por onde passam os sentimentos, as ideias, os valores daquele a quem se endereça nossa fala. Poderíamos dizer que, na verdade, em sentido estrito, a gente nunca “ensina” nada a ninguém. As pessoas é que se permitem aprender!
O primeiro passo, então, para o entendimento é julgar o outro como importante (Fl 2,3). É preciso importar, trazer para dentro de si (sem tarifas!) aquilo que a pessoa com quem dialogamos traz. Isso não significa, obviamente, concordar com o que está sendo dito. Absolutamente! Significa enxergar com genuinidade que mesmo as falas mais absurdas não surgem do nada; que a voz mais alta é só o disfarce para a insegurança; que, inclusive, na maior parte das vezes, a raiva passa só de a pessoa ouvir as próprias besteiras que diz.