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Padre Samuel Fidelis | Foi golpe?

O que vemos no cenário brasileiro, no que tange ao julgamento acerca da tentativa de golpe de Estado, desafia a nossa capacidade de autocompreensão

'É certo que dar voz a todos gera muita confusão’

Mais um 11 de Setembro. Há mudanças em curso. Uma semana de memórias e memorável. Vinte e quatro anos do atentado que desafiou a hegemonia norte-americana. O julgamento acerca de uma trama golpista. Dois gols de bola parada!! Deixando os afetos e a descontração de lado, é preciso falar sobre uma questão de extrema gravidade!

O que vemos no cenário brasileiro, no que tange ao julgamento acerca da tentativa de golpe de Estado, desafia a nossa capacidade de autocompreensão. Em sentido diverso do futebol, no qual que a paixão, por si só, é injustificável, visceral e, até, saudavelmente insana, a vida pública requer certo consenso e equilíbrio. Isso porque é impossível pensar num contrato social prescindindo de acordos mínimos sobre bens, sobre princípios, sobre valores.

Nem um casamento subsiste sem acordos! Num matrimônio, as personalidades podem ser conflitantes, os temperamentos opostos, os pontos de vista diferentes, mas se um aprecia o que ao outro é abjeto, não há chance de vida juntos! Em termo metafóricos, o Brasil se encontra num litígio interminável... A Pátria deixou, há muito, de ser mãe gentil. Passou a flertar com o adultério, com o autoritarismo!

E aqui, talvez esteja o ponto! Aprofundando imagem metafórica e ativando Nelson Rodrigues, que dizia que uma mulher deseja no amante as qualidades que jamais suportaria no marido, podemos dizer que tem gente que não sabe o alcance daquilo que pede para o Brasil!

Claro que estamos num caos, que a impunidade é patente! Está todo mundo cansado, decepcionado e descrente. Nada disso, todavia, justifica o recorrer a soluções que não passem pela democracia! É certo que dar voz a todos gera muita confusão. A questão é que a tese alternativa termina em tragédia. Nós já vimos que o que começa com silenciamento termina com esquecimento, com violação e morte!

Estejamos, definitivamente, convencidos de que não há resoluções rápidas, binárias, impositivas para problemas complexos. Por mais razoável que, num primeiro momento, possa parecer creditar a uma pessoa ou a uma instituição a “missão” de resolver problemas, o preço que se paga depois é muito pior. Há sempre algo de marginal e clandestino em quartéis, em conventos (e em cortes!). É sempre preciso, sob qualquer hipótese, suspeitar de quem, falando alto e grosso, vende-se como resposta a anseios e a desconfortos. Toda vez que a solução vem pronta e enquadrada é muitíssimo provável que ela tende a ser, no mínimo cínica, e, no geral, catastrófica.

Claro que a situação atual é de muitos desafios... Precisamente, por isso, cabe deixar um pouco de lado a pretensão de iluminismo e de superioridade intelectual para voltar a nos comunicar com as dores concretas de um Brasil profundo, no qual a miséria é a raiz de vários males, no qual se se acirram as desigualdades, no qual a corrupção, o acúmulo, o abuso e a exploração escandalizam e gestam indignações insanas!

Talvez seja interessante gastar um pouco menos de tempo fragilizado instituições, achincalhando personagens, conjecturando subterfúgios para mudar as regras do jogo e, para, em sentido diversos, investir energia em pactos institucionais, em consideração de pontos de vista divergentes, em discernimento das alternativas viáveis contidas no próprio sistema democrático.

A democracia não é perfeita! Trata-se de uma roupa que requer ajustes... São muitos fios. Desconsiderar os muitos fios e os rasgos no tecido seria utópico... Mas seria, lamentável e trágico desprezar a beleza e a importância da veste por negligência no ajuste do caimento e da emenda dos rasgos...

Vamos olhar para frente! Nada de soluções velhas. Remendo novo em roupa nova! (Lc 5, 36-38).

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Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.

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