Um das coisas mais interessantes de se perceber na vida é o fato de os símbolos serem territórios em disputa. Enquanto seres humanos precisamos nos agarrar a “simbologias” a “mitos”. Necessitamos de histórias para dar conta de quem somos. Simbolizam imagens, ritos, ícones, que vão, ao longo do tempo, passando de mão em mão, sendo ressignificados...
Um dos grandes símbolos surgidos na modernidade são as bandeiras. Os povos antigos usavam estandartes, ligados aos brasões das dinastias famílias, ao poder militar (como as Aquilas romanas). Com o surgimentos dos Estados-Nacionais, as bandeiras passam a ser a expressão dos valores comuns que compõe as nações modernas. Bandeiras são a expressão simples e reconhecível da identidade, da cultura, dos valores de um país.
É muito irônico pensar que, nessa confusão toda, a bandeira brasileira que muitos dizem “jamais será vermelha”, não só cedeu lugar em algumas manifestações a uma vermelha, também azul, branca e com estrelinhas... É muito curioso que esse símbolo nacional, cujo uso, há pouco, chegava a criar em alguns até certa antipatia, tenha voltado com tudo no que (pelo menos no último fim de semana) soou como “ares” de uma primavera, não árabe, mas brazuca!
A bandeira do Brasil surge verde, como alusão à casa real de Bragança e amarela, em decorrência dos Rabisburgo. Depois ela passa a ser, no imaginário, a cor do outro e nossas florestas. A bandeira brasileira assume um lema positivista (“ordem e progresso”), não obstante, ironicamente o Brasil seja o país do futuro que não chega, dado o acirramento de desigualdades, de desordem e de retrocesso...
Mudando o seu sentido, passando de mão e de lado - por vezes na Faria Lima, agora nas praças , em ritmo de folia – a nossa bandeira é uma grande metáfora de que nossa nação é um território em disputa! Consiste nisso um grande desafio. Nossa soberania está ameaçada sim ameaçada, mas é por algo mais profundo do que por potências externas: ela é ameaçada pela falta de senso de pertencimento! Jesus alerta que nenhum Reino dividido pode substituir. Uma casa que luta contra si mesma será arruinada (Mc 3, 24-27). O Brasil está rachado ao meio por devaneios! Falta-nos uma acomodação pragmática, uma consciência de que, seja à esquerda ou à direita, há receios e anseios legítimos de ambos os lados e quem pensa diferente, não pode ser lido como um perigo mortal ou uma ameaça.
Terminamos o mês “da pátria” com a sensação de que são precisas revisões profundas dos nossos acordos nacionais e que a falta de lucidez aos principais atores institucionais no Legislativo, no Executivo e, inclusive no Judiciário. Pensemos... Por um lado, essas autoridades são o reflexo de nossa sociedade, já que juízes e políticos (em suas virtudes e vícios) são a expressão do nosso “jeitinho” brasileiro. Por outro lado, alguém tem que avisar em Brasília que o compadrio, a corrupção (inclusive lá onde “o preço do crime compra o juiz” Hamlet), o aumento da desigualdade, e a desidratação de valores gera muita descrença e indignação nos brasileiros. É preciso estar atentos, pois a indignação persistente é um grande catalisador de devaneios e de revolta!
Nossa bandeira tem passado de mão em mão, tem servido de “totem” para afetos e desafetos. Isso sem que a gente chegue a um consenso sobre o Brasil que queremos, ou mais, do país de que necessitamos! Os usos dessa bandeira são uma grande metáfora da nossa confusão mental. São provocações, não há respostas... Ah, mas não há mesmo! Quem quer que se arrisque a dizer que sabe o que fazer ou é ignorante, ou cínico, ou perverso. Ou seja, de um jeito ou de outro mente! Em momentos assim, é muito bom ter como método a dúvida, é necessário prestar a atenção nas muitas perspectivas, muito mais do que ter respostas prontas. É tempo de fazer perguntas, perguntas...
Oxalá temos menos “esquerda” e menos “direita”! Nosso coração pulse, com a diástole e a sístole, sem a qual a nação infarta: a necessária “ordem” e o urgente “progresso”.