Após quase dois anos de guerra na Faixa de Gaza, Reino Unido, Canadá, Austrália e Portugal anunciaram neste domingo (21) o reconhecimento do Estado palestino, às vésperas de que a França e outros países deem o mesmo passo durante a Assembleia Geral da ONU.
Estes são três pontos de interrogação sobre o reconhecimento diplomático desse Estado autoproclamado no exílio pelos dirigentes palestinos em 1988, em um momento em que Israel ocupa a Cisjordânia e a Faixa de Gaza está quase totalmente destruída.
Quais países reconhecem ou querem reconhecer um Estado palestino?
Aproximadamente três quartos dos países membros da ONU já reconhecem o Estado palestino.
Segundo uma contagem feita pela agência de notícias AFP, ao menos 145 dos 193 países que integram as Nações Unidas reconhecem o Estado palestino, embora não tenha sido possível confirmar recentemente a posição de três nações africanas.
A essa lista somaram-se neste domingo o Reino Unido e o Canadá, os primeiros países do G7 a dar esse passo. A Austrália e Portugal também reconheceram o Estado palestino.
A França — que é membro do Conselho de Segurança da ONU — copresidirá uma cúpula junto com a Arábia Saudita à margem da Assembleia Geral da ONU, onde será discutido o futuro da solução de dois Estados na região do conflito.
Nessa ocasião, países como Bélgica, Luxemburgo, Malta e Finlândia, entre outros, podem se juntar a esse movimento.
A Rússia, todos os países árabes, quase todos os da África e da América Latina, e a grande maioria dos Estados asiáticos, incluindo Índia e China, já fazem parte do grupo de apoiadores.
A Argélia foi o primeiro país, em 15 de novembro de 1988, a reconhecer o Estado palestino, logo após sua autoproclamação em Argel pelo líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat.
Dezenas de países seguiram o exemplo nos meses seguintes e, vinte anos depois, no final de 2010 e início de 2011, houve uma segunda onda de reconhecimentos.
A guerra em Gaza, travada por Israel em resposta ao ataque sem precedentes do movimento islamista palestino Hamas em seu território, em 7 de outubro de 2023, deu origem a uma nova série de reconhecimentos.
Quem não o reconhece?
Ao menos 45 países liderados pelos Estados Unidos e Israel. O governo do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, rejeita de forma categórica a ideia de um Estado palestino e, em julho de 2024, o Parlamento israelense votou uma resolução contra sua criação.
“Não será estabelecido nenhum Estado palestino a oeste do rio Jordão”, declarou neste domingo Netanyahu.
Na América Latina, a exceção ao reconhecimento é o Panamá; na Ásia, Japão, Coreia do Sul e Singapura; na África, Camarões; e na Oceania, a maioria dos países.
O continente europeu é o mais dividido, praticamente ao meio. Até meados da década de 2010, os únicos países que reconheciam um Estado palestino eram, além da Turquia, os do antigo bloco soviético.
Mas alguns, como Hungria e República Tcheca, consideram hoje que não há um reconhecimento bilateral.
A Europa Ocidental e a do Norte eram antes unânimes em não reconhecer, com a exceção da Suécia, desde 2014. Mas a guerra em Gaza mudou o cenário, e Noruega, Espanha, Irlanda e Eslovênia seguiram o caminho de Estocolmo em 2024.
Itália e Alemanha não têm planos de reconhecer um Estado palestino.
O que é o reconhecimento de um Estado?
É “uma das questões mais complicadas” do direito internacional, “a meio caminho entre o político e o jurídico”, explicou à AFP Romain Le Boeuf, acadêmico da Universidade de Aix-Marselha.
“Não existe um cartório de registros de reconhecimentos. A Autoridade Palestina incluirá em sua própria lista todas as ações que considerar atos de reconhecimento, mas de forma puramente subjetiva”, afirmou.
Da mesma forma, continuou, outros Estados “dirão que reconheceram ou não, mas sem ter de se justificar realmente (...). Estamos diante de uma subjetividade quase total”, disse.
Mas há um ponto em que “o direito internacional é bastante claro: o reconhecimento não cria o Estado, da mesma forma que a ausência de reconhecimento não impede que o Estado exista”, indicou Le Boeuf, já que os elementos necessários são um território, uma população e um governo independente.
Embora o alcance do reconhecimento seja “em grande medida simbólico e político”, no caso palestino, três quartos dos países afirmam que “a Palestina reúne as condições necessárias” para ser um Estado, ressaltou.
“Sei que para muitas pessoas isso parece apenas simbólico, mas, na realidade, em termos de simbolismo, é algo que muda as regras do jogo”, escreveu em meados de agosto no jornal The New York Times o advogado e professor de Direito franco-britânico Philippe Sands.
“Porque uma vez que se reconhece a condição de Estado palestino, (...) essencialmente se coloca a Palestina e Israel em pé de igualdade quanto ao seu tratamento sob o direito internacional”, argumentou.