Inspirado na Guerra de Canudos (1896–1897), conflito no sertão da Bahia que marcou o Brasil no fim do século XIX, Hell Clock chegou para PC via Steam em 22 de julho de 2025. Desenvolvido pelo estúdio brasileiro Rogue Snail, o jogo mistura RPG de ação e roguelike em uma ambientação sombria, onde memória, resistência e justiça se cruzam em cada batalha.
Poucos episódios da história brasileira carregam tanto peso quanto este. Foi um dos conflitos mais sangrentos do país, marcado pela violência do recém-formado Exército da República contra os sertanejos liderados por Antônio Conselheiro.
A Itatiaia recebeu o jogo com exclusividade para PC e traz a review completa a seguir.
Introdução
O protagonista é Pajeú, ex-escravizado e combatente de Canudos, que agora atravessa um purgatório repleto de demônios e espíritos atormentados, onde as almas dos mortos estão presas em um ciclo de dor. Sua missão é encontrar a alma de Antônio Conselheiro, líder religioso e figura central do movimento, enfrentando inimigos que simbolizam as marcas deixadas pela guerra.
A escolha de colocar a guerra em um cenário metafísico, e não em uma reconstituição literal, é certeira: o jogo trata de memória, resistência e injustiça de uma forma simbólica, intensa e universal.
Tema central de Hell Clock é a busca pela alma de Antônio Conselheiro
Jogabilidade que prende do início ao fim
Hell Clock segue a fórmula dos roguelikes modernos: cada ida à masmorra é diferente, exigindo decisões estratégicas sobre habilidades, armas e relíquias (como em Diablo ou Hades). A cada derrota, o jogador retorna com recursos que podem ser usados para desbloquear novas opções, garantindo progressão constante.
O grande diferencial está no relógio do jogo (Hell Clock), mecânica que limita o tempo de cada turno. Ele adiciona urgência às escolhas, forçando o jogador a agir rápido, mas também pode gerar momentos de frustração quando o tempo acaba em meio a uma boa progressão.
Cada vez que Pajeú entra no submundo, o cronômetro começa a marcar. Quando o tempo acaba, ou quando ele é derrotado, o ciclo é interrompido.
Essa escolha mecânica transforma a jornada em uma metáfora poderosa: assim como os sertanejos de Canudos lutaram contra a fome, a seca e o tempo da sobrevivência, o jogador precisa lidar com a pressão constante da contagem regressiva. São elementos narrativos e lúdicos que se fundem de forma magistral.
Progressão, builds e estratégia
O jogo oferece uma grande variedade de habilidades ativas e passivas que podem ser combinadas conforme o estilo do jogador. Pajeú pode carregar até cinco delas ao mesmo tempo, com direito a relíquias e melhorias que alteram drasticamente a forma de jogar.
A dificuldade cresce de maneira perceptível: os primeiros andares permitem certa experimentação, mas logo o inferno se torna mais hostil, com inimigos que exigem leitura de padrão, reflexo e precisão.
Os chefes, especialmente, são impressionantes — tanto pelo design grotesco e inspirado no imaginário sertanejo quanto pela forma como exigem o domínio de mecânicas.
Arte e som com identidade brasileira
Se há algo que Hell Clock entrega com excelência é identidade visual e sonora.
Mesmo sem os recursos de um estúdio AAA, Hell Clock se destaca visualmente. A direção de arte aposta em cenários inspirados no sertão e criaturas que mesclam folclore e imaginário religioso. Os chefes são visualmente impactantes e ajudam a reforçar a atmosfera única do jogo.
Outro ponto alto é a trilha sonora, assinada por Thommaz Kauffmann (Dandara, Moira), que mistura ritmos nordestinos com batidas intensas. A dublagem é 100% em português, com sotaque regional autêntico. O elenco traz nomes como Dody Só, que interpretou Pajeú no filme Guerra de Canudos (1997) e retorna ao papel quase 30 anos depois.
Ouvir Pajeú e João Abade falando com naturalidade dá peso e legitimidade à narrativa, algo raríssimo em jogos com temática histórica.
Força e fragilidades
Pontos positivos
- Enredo original e culturalmente relevante
- Gameplay viciante, com múltiplas possibilidades de builds
- Direção de arte e trilha sonora marcantes
- Dublagem brasileira autêntica e imersiva
- Sistema de tempo, que pode frustrar parte dos jogadores, pode ser desativado
O que pode melhorar
- Curva de aprendizado inicial é íngreme para quem não está acostumado ao gênero
- Pequenos desequilíbrios em habilidades ainda precisam de ajustes
Reconhecimento internacional
Mesmo antes do lançamento, Hell Clock já vinha chamando atenção. O jogo recebeu menção honrosa na Gamescom LATAM 2025, na categoria Melhor Jogo Brasil, e venceu o prêmio de melhor pitch na Brazil Direct.
Além disso, o game figurou entre os 25 mais populares da Steam no mês de julho de 2025.
Vale a pena jogar?
Sim, e muito! Combinando história, jogabilidade e estética, Hell Clock prova que os games brasileiros podem competir em alto nível no mercado global. É uma experiência que vai além da diversão: trata-se também de um mergulho cultural e histórico feito com respeito e criatividade.
Nota final: 9/10 – Um dos roguelikes mais originais do ano e um marco para a produção nacional de jogos. Em tempos em que o Brasil busca cada vez mais protagonismo na indústria global de games, o título mostra como é possível unir entretenimento e reflexão histórica sem perder impacto.
Ficha técnica – Hell Clock
- Estúdio: Rogue Snail
- Plataforma: PC (Steam)
- Lançamento: 22 de julho de 2025
- Gênero: RPG de ação, Roguelike
- Preço: R$ 47,99 até 4 de setembro. Após este período, o preço é de R$ 59,99 na Steam.