A paixão por esportes está no coração do representante comercial Paulo Guido, de 51 anos, desde a infância. Nascido em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, ele surfa o rio de mesmo nome há mais de três décadas, e não viu a distância para o litoral como empecilho para pegar a prancha e cair na água.
O rio Doce se origina na confluência dos rios Piranga e do Carmo entre os municípios de Ponte Nova, Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado, na Zona da Mata mineira. Com cerca de 850 km de extensão, ele passa por 228 municípios, sendo 202 em Minas Gerais e 26 no Espírito Santo, até a foz na cidade capixaba de Regência. A ideia de surfar também os rios, e não apenas o mar, não começou por aqui, mas depois que essa cultura chegou às terras mineiras, parece não querer sair nunca mais.
Através de colegas, Guido conheceu a canoagem de corredeira na Europa. Nessa modalidade, o atleta rema por uma corredeira em rios agitados, passando por obstáculos e chegando ao final no menor tempo possível. Apesar das diferenças, ele logo percebeu que aquilo poderia acontecer no Brasil com o surf, paixão antiga dele.
Por meio do trabalho, Guido viaja por cidades mineiras, e aos poucos, com diversas tentativas, ele e os amigos descobriram trechos do rio Doce em que era possível aproveitar as ondas. “Certa vez, visitando Ipanema, no Leste de Minas, vi o rio Manhuaçu. Eu parei e avistei uma onda. Na hora, falei para um amigo 'é ali’, mas ele não entendeu nada”, relembra.
Surfar nos rios só é possível por conta da formação das ondas, que vem da posição das pedras e do volume de água que passa por elas. O surfista explica que é melhor surfar mais perto das margens, o que facilita a entrada e saída da água, seja mais perto das cidades ou em pontos mais afastados.
“Aqui no rio Doce, demos sorte que quase todos os melhores picos são perto da margem, mas tem algumas ondas no meio dele. Dá para surfar, mas fica meio fora de mão, então não vamos muito”, detalha.
“Minas Gerais é enorme, rio para tudo que é lado. Tem gente que começou também lá no Mato Grosso, por exemplo, só vendo vídeos do que já foi feito aqui. Às vezes entram em contato, trocam dicas, e a corrente de ensinamento vai se criando. Acho que assim dá para evoluir e não perder o tempo que já perdemos”, completa.
A paixão pelo esporte começou por volta dos 14 anos, no Sul da Bahia, quando a diversão se resumia a passeios de caiaque. Assistindo a filmes com essa temática ao longo da década de 1980, o amor só cresceu, muito impactado também por revistas de surf, que se tornaram uma “coleção especial”.
Atualmente, Paulo não vive do esporte, e confessa não ter esse objetivo. Quando se fala do mar, a frequência é baixa, inclusive, considerando a rotina e a distância. Já no rio, ele afirma que não há frequência definida, e que isso depende muito das condições do momento. "Às vezes, estamos remando e resolvemos surfar. às vezes, vamos para surfar, mas não tem onda e voltamos para fazer outra coisa”, brinca.
“Não tenho projeto, mas eu quero não só ensinar, quero fazer a avaliação e reconhecimento das ondas surfáveis, tanto aqui na região, como em Minas, e expandir para o Brasil. Quero localizar, testar as ondas, e ensinar”, comentou.
Campeonato Mineiro de Surf
Pode parecer estranho, mas Minas conta com um campeonato próprio, mesmo sem praias.Por isso, os torneios são sediados em cidades do litoral brasileiro, por meio de parcerias com associações locais, que cedem a estrutura e o espaço. Este ano, inclusive, foi disputado em duas etapas: Cabo Frio (RJ), em abril, e Ubatuba (SP), em outubro.
Para as competições ganharem os rios do Brasil, pouco falta. E Paulo sonha ainda com disputas interestaduais, já que muitos rios do país entregam essas condições aos amantes do esporte - o que falta é a expansão dessa ideia, porque apaixonados se espalham por todas as regiões.
O Campeonato Mineiro, ainda, é dividido em duas categorias: mineiro residente (nascido e morador de MG), e o mineiro open (nascido em MG mas morador do litoral (ou o contrário). Este ano, em Ubatuba, venceu um morador de Uberlândia, mas morador da cidade, na categoria open. "É levar a possibilidade de surfar rios próximos a você", destaca Paulo.
Reconhecimento e repercussão
Só no rio Doce, vários pontos em diversas cidades já são conhecidos pelo grupo como ideais ao surf. Outras, entretanto, ainda precisam ser desbravadas, o que parece ser apenas questão de tempo.
"É igual futebol, você pode jogar bola na porta de casa, é só colocar o chinelo aqui e ali, você faz o gol dentro do chinelo. E com o surf é a mesma coisa, você não joga bola só dentro do grande estádio, e pode surfar também no rio, sem ser no mar daquele forma ‘engessada’. Surf não é exclusividade de quem está na praia”, ressalta Paulo, afirmando também que BH é uma das cidades que mais consome o “surf wear”, ou seja, roupas e acessórios ligados ao esporte.
Ele comemora que a rede de contatos é fundamental no crescimento do esporte e popularização dos rios para surfar. Aos poucos, vai se levando a prancha para lugares onde não se imaginava ser possível, mas na verdade é.
"É criar a ponte entre quem gosta, tem interesse, e as condições para se praticar o esporte. Tudo muito de coração. Você pode falar ‘uai’ e surfar. A ideia é essa”, afirma.
Os planos também são ambiciosos. Em poucas semanas, começa a temporada de voos em Governador Valadares, especialmente com o parapente. “Agora, a pessoa pode colocar o parapente e a prancha na bolsa, e também vir surfar em Minas. Nós temos a rede social, e muitos de fora vão ajudando nesse crescimento, que é natural”, pontua.
E aí, já pensou em surfar as ondas de Minas Gerais? Se depender dos sonhos de Paulo, e tantos outros amantes do surf, isso já é uma realidade em franca expansão.