Não é preciso muito para constatar, logo de cara, o artificialismo em torno de “O Mistério de Marilyn Monroe: Gravações Inéditas”, documentário produzido para a Netflix, com direção de Emma Cooper. A base para o filme são as gravações obtidas pelo escritor Anthony Summers, autor do livro “Goddess” (em tradução literal: “Deusa”), que nunca vieram a público em sua integridade.
Sabe-se lá porquê, decorridas três décadas ou mais, ele resolveu disponibilizar o conteúdo de cerca de 650 rolos de entrevistas, e que trazem pouca novidade.
Anthony Summers é quem conduz a trama, o que acaba depondo irreversivelmente contra ela. Ele se comporta como personagem, com frases feitas e clichês difíceis de engolir, além de repetições de lugares-comuns que se cristalizaram acerca de Marilyn (que, afinal, deveria ser a grande estrela do longa-metragem), como o fato de ela ser obcecada por “homens poderosos”.
Um ramerrão sem fim. O pior é que Summers requer para si a mais pura autenticidade, em sua busca detetivesca pela pretensa verdade, palavra gasta. Para completar, as tais gravações inéditas, que seriam o grande trunfo anunciado pelo título do filme, jamais chegam ao conhecimento do espectador.
Explico: elas são dubladas e literalmente encenadas por atores profissionais, o que aniquila o que restava de esperança de escapar ao artificialismo que invade a tela durante uma hora e quarenta de projeção.
Prevalece a qualidade técnica do conteúdo, em detrimento de sua “verdade” (que o filme supõe procurar), pois, ainda que ela tivesse ruídos, fosse pouco compreensível e necessitasse de legendas, geraria alguma aproximação com aquelas pessoas.
O fato de envolver figurões da política e de Hollywood apenas aumenta essa sensação de distanciamento. Seria muito mais interessante ouvir a voz de Billy Wilder, Arthur Miller, Jane Russell, John Huston, dentre outros, do que a de atores que simplesmente os mimetizam, na busca de um realismo irreal.
Entre idas e vindas, voltas ao redor do tempo, o enredo esmiúça as teorias sobre a traumática morte de Marilyn, no esplendor da beleza e da juventude, com apenas 36 anos, mas já em decadência em termos de sucesso de bilheteria. A máquina de moer gente da indústria do cinema fazia, ali, a sua principal vítima.
A comoção com a perda do maior símbolo sexual da América rapidamente cederia espaço para teorias diversas, algumas tidas como conspiratórias: teria Marilyn sido assassinada? Prevaleceram, oficialmente, as teses de morte acidental por overdose de remédios para dormir ou suicídio. De toda forma, ela mesma teria tido a própria vida, intencionalmente ou não.
O relacionamento amoroso com os irmãos Kennedy, então presidente e procurador do Estado, ao mesmo tempo em que o mundo se debatia com ameaças de guerra nuclear, teria colocado a estrela no centro desta disputa entre comunistas e capitalistas.
Ao ganhar tintas tórridas, com reações intempestivas, o ménage-à-trois passou a preocupar autoridades. O que aconteceu na noite em que Marilyn perdeu a vida? As versões parecem inconclusivas e, muitas vezes, se contradizem.
Ao remontar esse quebra-cabeça, o filme de Emma Stone recicla uma história conhecida, com uma ou outra peça não exatamente nova, mas mudada de lugar. Serve para colocar em destaque, novamente, o legado de Marylin Monroe, não à sua altura. Em toda aquela falsidade construída, quando ela aparece na cena suscita algo de verdadeiro. E nos devolve o seu magnetismo.