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De Rita Lee a Fagner: Relembre versões de sucesso da música brasileira

Canções como ‘Borbulhas de Amor’, 'Índia’ e ‘José' foram adaptadas de idiomas estrangeiros e conquistaram o público

Rita Lee levou para as rádios versões de sucesso para músicas como ‘José' e ‘Erva Venenosa’

Uma das tradições da música brasileira, desde a década de 1950, é a criação de versões em português para canções que já faziam sucesso em outras línguas, o que se intensificou com a ascensão da Jovem Guarda.

Mas o costume permaneceu nos anos seguintes e garantiu o topo das paradas radiofônicas para estrelas da tarimba de Rita Lee, Fagner, Zélia Duncan, Gal Costa, dentre outros, num movimento que sempre volta à tona, com mais ou menos força.

Fato é que muita gente acredita que essas composições nasceram no Brasil, tamanha a sua identificação junto ao povo. Da guarânia ao rock, passando pela balada, vamos relembrar alguns desses grandes hits.

“Índia” (guarânia, 1952) – versão de José Fortuna

O LP “Índia”, de 1973, teve a capa, focada na parte de baixo do biquíni de Gal Costa, vetada pela ditadura. Para sair, o disco precisou ser vendido em plástico opaco, solução encontrada pelo compositor Roberto Menescal, então diretor artístico da gravadora Philips. “A censura à capa de ‘Índia’ não a afetou negativamente. Na verdade, impulsionou as vendas do disco e gerou bastante burburinho em torno da obra. O que afetou os rumos de Gal de maneira mais decisiva foi a recepção irregular ao disco subsequente, ‘Cantar’, de 1974”, conta Renato Contente, autor do livro “Não Se Assuste Pessoa! – As Personas Políticas de Gal Costa e Elis Regina na Ditadura Militar”. A faixa-título “Índia” era uma guarânia de 1952, cuja versão, de José Fortuna, Gal Costa regravou.

“Edmundo” (samba, 1954) – versão de Aloysio de Oliveira

Aloysio de Oliveira aproveitou-se de uma interpretação vocal para transformar o sucesso americano de Glen Miller, composto por Joe Garland e Andy Razaf, In The Mood, no sucesso brasileiro de proporção internacional, “Edmundo”, em que se vale das trapalhadas de seu protagonista. Lançada por seu “Bando da Lua” em companhia de Carmen Miranda em 1954, a música recebeu regravação de Elza Soares e entrou para a galeria de estouros de seu repertório. Sem perder o requebrado e o bom humor, Elza mantém a forma ao interpretar diversas mancadas e peripécias no universo musical em que ressoa a vida.

“Diana” (rock, 1958) – versão de Fred Jorge

O mesmo ano da década de 1950 que é apontado como início oficial da bossa nova criada por João Gilberto, aquele em que Elizeth Cardoso colocou na praça o histórico disco “Canção do Amor Demais”, consagrou nas rádios a versão de Fred Jorge para o hit norte-americano “Diana”, que, aqui, em terras tupiniquins, obteve um sem número de regravações que contemplam Edith Veiga, Reginaldo Rossi, The Fevers, Chico César, Raça Negra, Wanderley Cardoso e até o dublê de celebridade Latino. A música voltou às paradas em 1976, na trilha da novela “Estúpido Cupido”, novamente na voz de Carlos Gonzaga, cantor mineiro nascido em Paraisópolis, interior do Estado.

“Nasci para Chorar” (rock, 1964) – versão de Erasmo Carlos

Em 1984, o compositor norte-americano John Hartford acusou e processou o Rei da música brasileira por plagiar a canção “Gentle On My Mind”, sob o nome de “O Caminhoneiro”. Roberto Carlos admitiu que se tratava de uma versão em português feita para o especial de fim de ano da Rede Globo, e passou a creditar o nome de John Hartford.

O crítico musical José Teles aponta outro caso em que Roberto e Erasmo Carlos gravaram uma versão sem darem os devidos créditos. “É Proibido Fumar”, lançada pela dupla em 1964, repete os acordes e a melodia de “Lo Nuestro Termino”, do Dúo Dinámico, dupla espanhola que fez muito sucesso na década de 1960. No mesmo álbum que trazia o hit, Erasmo assinava versão de “Nasci para Chorar”, rock de Dion DiMucci regravado por Cássia Eller.

“Erva Venenosa” (rock, 1965) – versão de Rossini Pinto

A autobiografia da eterna mutante, lançada em 2016, foi um estouro de público e crítica. Mas Rita já se arriscava na literatura desde os anos 80, quando escreveu quatro livros infantis que tinham como protagonista o rato cientista Dr. Alex. “Storynhas”, “Dropz” e “FavoRita” são seus outros livros. Rita também se especializou em participar de trilhas-sonoras para novelas – e, eventualmente, fazer participações como ela mesma.

Na voz de Rita, a música “Erva Venenosa” foi parar na telenovela “Um Anjo Caiu do Céu”, da Rede Globo. A música é uma versão de Rossini Pinto para a original de Jerry Leiber e Mike Stoller, e foi lançada, em 1965, pelo grupo de rock Golden Boys, com sucesso.

“Pare o Casamento!” (rock, 1966) – Kenny Young e Arthur Resnick em versão de Luiz Keller

Mineira de Governador Valadares, criada no Rio de Janeiro, Wanderléa já era a grande vedete da Jovem Guarda, movimento que incluiu a juventude no cenário da canção nacional, quando, em 1966, lançou o seu quarto LP, “A Ternura de Wanderléa”, que fazia referência ao apelido que ela ganhara comandando um programa de TV ao lado de Roberto Carlos e Erasmo Carlos na TV Record: “Ternurinha”.

Habituada a gravar versões de sucessos para rocks norte-americanos, a cantora voltou a apostar no gênero e obteve êxito. “Para o Casamento!”, versão de Luiz Keller para rock de Kenny Young e Arthur Resnick, parodiava uma inusitada situação sobre a qual as cenas de casamentos em filmes costumam alertar: “Fale agora, ou cale-se para sempre”.

“José” (canção, 1970) – versão de Nara Leão

Rita Lee e Nara Leão já compartilhavam amizade desde que participaram juntas do revolucionário disco “Tropicalia ou Panis Et Circensis”, em 1968, ao lado de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Gal Costa, dentre outros. Em 1970, Rita Lee ainda integrava Os Mutantes, mas já ensaiava sua saída definitiva, quando alçou voo solo com “Build Up”, seu primeiro disco solo.

No repertório, chamou atenção do público e da crítica uma versão assinada por Nara para o clássico “Joseph”, de Georges Moustaki, que na voz de Rita ficou conhecida como “José”. A música estourou nas rádios e dirimiu um pouco a imagem rebelde de Rita, ao cantar com voz doce a vida de Jesus.

“Negro Amor” (blues, 1977) – versão de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti

Novamente coube a Gal Costa colocar voz em uma canção de Péricles Cavalcanti. Desta vez tratava-se de uma versão dele e de Caetano Veloso para o blues de Bob Dylan, rebatizado de “Negro Amor”. A canção foi lançada em 1977, no LP “Caras & Bocas”, de Gal, e mereceu uma regravação de Zé Ramalho, décadas mais tarde.

Péricles e Caetano são habilidosos em traduzir os versos do bardo norte-americano, sem perder de vista a força da canção, introduzindo um palavreado propício ao desafio proposto. Já Péricles Cavalcanti a gravou em 1999, no álbum “Baião Metafísico”, logo após uma infinidade de regravações, abrangendo artistas como Toni Platão e Engenheiros do Hawaii. “Negro Amor” também foi cantada por Adriana Calcanhotto, no show em que ela homenageia Gal, “Coisas Sagradas Permanecem”, feito em 2023.

“Me Deixas Louca” (bolero, 1981) – versão de Paulo Coelho

Bolero do mexicano Armando Manzanero, vertido para o português por Paulo Coelho, “Me Deixas Louca” é uma daquelas músicas que se ajustavam à emoção precisa para que Elis Regina transbordasse, em cena, todo o seu talento para arrebatamentos amorosos. A música entrou para a trilha da novela global “Brilhante”, de Gilberto Braga, Euclydes Marinho e Leonor Bassères e foi tema do casal formado por Vera Fischer e Tarcísio Meira. Elis não chegou a registrá-la em disco, pois morreu precocemente em 1982, aos 36 anos, vítima de uma mistura fatal de uísque e cocaína. Ainda assim, a música se tornou um dos maiores sucessos da carreira da Pimentinha e foi regravada por Maria Rita.

“Quando Te Vi” (balada, 1984) – versão de Ronaldo Bastos

Maestro, arranjador, flautista, compositor, dramaturgo e autor, Meredith Willson foi praticamente tudo o que quis na vida. O seu principal sucesso foi o musical da Broadway, “Vendedor de Ilusões”, de 1957. Nesta incrível façanha artístico-musical de Meredith Willson está “Till There Was You”, que ganhou uma tradução inspirada de Ronaldo Bastos em 1984.

A música, claro, não poderia ser oferecida a outra pessoa que não o parceiro de fé e irmão-camarada Beto Guedes, que a lançou no álbum “Viagem das Mãos”, já rebatizada “Quando Te Vi”, uma balada irresistível. “Nem o sol/ Nem o mar/ Nem o brilho/ Das estrelas/ Tudo isso/ Não tem valor/ Sem ter você...”, canta Beto Guedes, com todo o afã.

“Iolanda” (canção, 1984) – versão de Chico Buarque

Cantor, compositor e instrumentista cubano, Pablo Milanés nasceu no dia 24 de fevereiro de 1943, e morreu no último dia 22 de novembro, em Madri, na Espanha, aos 79 anos, em decorrência de um câncer. Integrante do Grupo de Experimentação Sonora, Milanés se tornou um dos artífices do movimento que ficou conhecido como Nova Trova Cubana e, no Brasil, chegou a se apresentar ao lado de Chico Buarque e Milton Nascimento, se tornando admirado em países vizinhos por nomes como Fagner, Mercedes Sosa e Diana Pequeno. Coube a Simone dar voz à sua canção mais famosa no Brasil: a bela “Iolanda”, em versão de Chico Buarque, que a acompanha no dueto.

“Hot Dog” (rock, 1984) – Leiber e Stoller em versão de Leo Jaime

“Hot Dog” foi um rock consagrado pelo rei do estilo, Elvis Presley, em solo americano. No Brasil, o irreverente Léo Jaime criou a sua própria versão da letra para a música da dupla Leiber e Stoller. E a interpretação de Angela Ro Ro no álbum “A Vida É Mesmo Assim”, de 1984, não deixou barato.

Regravada por Cazuza e Léo Jaime em 1988, com a participação especial do cachorro de estimação do primeiro, conhecido como Wanderley, homenagem ao cantor da Jovem Guarda, de sobrenome Cardoso, a música utiliza o cenário de um amor desfeito para demonstrar o poder de vingança desse tal dinheiro. “Eu não te pago nem um hot-dog”, esnoba e ameaça o protagonista.

“Hoje a Noite Não Tem Luar” (balada, 1986) – versão de Carlos Colla

Carlos Colla nasceu em Niterói, no dia 5 de agosto de 1944, e ficou conhecido como um dos compositores preferidos do Rei Roberto Carlos, além de compor versões para músicas estrangeiras que alcançaram enorme sucesso com José Augusto, Legião Urbana, João Paulo & Daniel, Luan & Vanessa. Sandra de Sá, Tim Maia e Alcione também gravaram suas canções.

Em 1986, o grupo porto-riquenho Menudo era uma febre mundial e contava, entre seus integrantes, com o jovem Rick Martin. Um dos grandes sucessos do grupo foi “Hoje a Noite Não Tem Luar”, que recebeu uma versão de Carlos Colla e foi regravada pela Legião Urbana em 1992, para o Acústico MTV, com o grave poderoso de Renato Russo. Ela também foi regravada por Maria Gadú.

“Bem Que Se Quis” (balada, 1989) – versão de Nelson Motta

Marisa Monte era uma cantora lírica em turnê pela Itália quando foi descoberta e convencida por Nelson Motta a investir no universo da canção popular. A estreia não poderia ter sido mais animadora. Lançado em 1989, o disco que continha as iniciais da debutante (“MM”) vendeu mais de 700 mil cópias e ganhou elogios entusiasmados da crítica, transformando Marisa em um fenômeno imediato.

Além de regravar canções de Tim Maia, Os Mutantes, Titãs, Candeia e Luiz Gonzaga, ela deu voz a uma versão de Nelson Motta para o sucesso de Pino Danielle, rebatizado como “Bem Que Se Quis”. Romântica, a canção entrou na trilha sonora da novela “O Salvador da Pátria”, foi regravada por Nelson Gonçalves e tornou-se um dos maiores sucessos da carreira de Marisa Monte.

“Borbulhas de Amor” (bolero, 1991) – versão de Ferreira Gullar

Há, na internet, uma entrevista impagável de Ferreira Gullar à repórter Dadá Coelho, em que ele explica, sem meias-palavras, do que se trata o “peixe” da canção “Borbulhas de Amor”, adaptação para a original do dominicano Juan Luis Guerra. A tradução do bolero foi feito por Ferreira Gullar a pedido de Fagner, que então mergulhava em um repertório cada vez mais popular.

Ferreira Gullar também conta que Fagner, “doido como sempre”, sequer pediu autorização ao titular da canção. Desta vez, no entanto, não houve imbróglios com a Justiça. O sucesso de “Borbulhas de Amor” a tornou uma canção atemporal, que recebeu versões de Gusttavo Lima, Leonardo e Eduardo Costa. A música também ficou conhecida pelo primeiro verso: “Tenho Um Coração...”.

“Catedral” (balada, 1994) – versão de Zélia Duncan e Christiaan Oyens

Ainda hoje, o maior sucesso da artista fluminense é uma versão de “Cathedral Song”, de Tanita Tikaram. Na versão de Zélia, o refrão diz: “No silêncio, uma catedral/ Um templo em mim/ Onde eu possa ser imortal/ Mas vai existir/ Eu sei, vai ter que existir/ Vai resistir nosso lugar”. Imprescindível nos shows de Zélia.

É inegável que a identidade da artista se formou nos primeiros anos da carreira, iniciada na década de 90 e que, para além da mistura bem fomentada entre folk e pop, tinha na construção poética o seu grande trunfo. É sintomática a presença de Christiaan Oyens. Os maiores sucessos de Zélia, como a versão para “Catedral”, “Nos Lençóis Desse Reggae” e “Tempestade”, foram feitos com o músico uruguaio.

“Então É Natal” (canção, 1995) – versão de Cláudio Rabello

Ironicamente, ao contrário do que apregoa o espírito natalino, foi uma espécie de vingança que motivou o maior sucesso comercial do gênero no Brasil. “Para um disco gravado a toque de caixa, num prazo de 20 dias, o resultado é muito interessante. A Simone tinha saído da Sony e queria dar um troco na gravadora.

Deu certo, ela vendeu mais de um milhão de cópias do disco”, conta Rodrigo Faour, jornalista e produtor musical. Nascida no dia 25 de dezembro, a cantora aproveitou a coincidência da data para nomear o trabalho. Ainda hoje, a versão em português de Cláudio Rabello para “Happy Christmas”, de John Lennon, é uma das mais pedidas e comentadas em festas natalinas no Brasil...

“Lourinha Bombril” (salsa, 1996) – versão de Herbert Vianna

O grupo Paralamas do Sucesso confirmou a sua apoteose com o álbum “O Passo do Lui”, que rendeu ao trio formado por Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone, discos de platina e ouro pelas milhões de cópias vendidas. Um dos destaques do álbum era a balada “Meu Erro”, inspirada no término do relacionamento de Herbert com Paula Toller, vocalista do Kid Abelha.

Em 1989, quando lançou uma versão lenta para “Meu Erro”, no álbum “Estrebucha Baby”, Zizi Possi recebeu um elogio de Tim Maia: “Nem o Herbert sabia que a canção que ele fez era tão bonita”, disse. Já em 1996, outro sucesso, com a versão de Herbert Vianna para a salsa “Lourinha Bombril”, de Diego Blanco e Bahiano, que reproduzia preconceitos hoje intoleráveis. Em determinado momento da letra, há uma citação ao Rei do Futebol: “A americana se encantou com Pelé”.

“Batendo na Porta do Céu” (MPB, 1997) – versão de Zé Ramalho

Apelidado de “Dylan do Nordeste”, “Violeiro do Apocalipse” e “Trovador de Cordel”, Zé Ramalho jamais negou suas influências, o que se verifica pelo número de homenagens em disco que ele dedicou a seus ídolos. A primeira delas aconteceu em 2001, quando ele cantou o repertório de Raul Seixas. No ano de 2008, foi a vez de verter para o português clássicos de Bob Dylan.

No ano seguinte, o contemplado foi Luiz Gonzaga. Em 2010 e 2011, o músico deu voz a canções de Jackson do Pandeiro e dos Beatles. Unindo psicodelia a ritmos nordestinos e ao rock, Ramalho criou uma obra única e reconhecível. Em 1997, ele lançou “Batendo na Porta do Céu”, versão do clássico de Dylan.

“Façamos [Vamos Amar]” (jazz, 2000) – versão de Carlos Rennó

No primeiro ano do novo milênio, o letrista, produtor e jornalista Carlos Rennó colocou na praça um projeto ousado: músicas de Cole Porter e George Gershwin, dois dos maiores estandartes do jazz norte-americano, traduzidas para o português em versões interpretadas por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Mônica Salmaso, Jussara Silveira, entre outros. Coube a Elza Soares, com sua voz elástica, cantar as artimanhas sensuais da irresistível balada “Façamos (Vamos Amar)”, ciceroneada pelo compositor Chico Buarque.