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Dia Nacional do Perdão: As melhores músicas brasileiras sobre o tema

Chico Buarque, Zeca Pagodinho, Paulinho da Viola, Monarco e outros versaram sobre esse sentimento de generosidade e amor

Em 1976, Paulinho da Viola compôs o irresistível samba “Perdoa”, regravado por Elton Medeiros, Noite Ilustrada e Teresa Cristina

Desde 2017, o 30 de agosto foi instituído como Dia Nacional do Perdão, esse sentimento sublime em que o rancor e o orgulho ficam para trás para dar vazão a uma relação mais positiva e saudável com a existência. Ao longo do tempo, os compositores da música brasileira versaram sobre o assunto de diferentes maneiras, passando, inclusive, por variados ritmos, que compreendem o samba, a valsa, a bossa nova e a MPB. Chico Buarque, Zeca Pagodinho, Paulinho da Viola, e mais, desfilam seu perdão.

“Perdoa Este Pecador” (samba, 1935) – Noel Rosa e Arnold Glückmann

Noel Rosa contribuiu com outra canção que só ganhou ares circenses graças à interpretação de Grande Otelo, para muitos, o maior comediante do Brasil. Nascido em Uberlândia, o humorista mineiro tirou um sonho do papel em 1985, quando protagonizou, com Marília Pêra e o grupo Coisas Nossas, a opereta “A Noiva do Condutor”, escrita por Noel e musicada pelo maestro e arranjador húngaro Arnold Glückmann, em 1935.

Noel morreu em 1937, aos 26 anos, vítima de tuberculose, e não pôde ver o projeto realizado. O empreendimento só logrou sucesso graças à participação decisiva do jornalista João Máximo. Inicialmente, o papel interpretado por Marília Pêra havia sido destinado para Isaurinha Garcia. O samba “Perdoa Este Pecador” está no roteiro e ganhou posterior interpretação do músico Caola.

“Atire a Primeira Pedra” (samba, 1944) – Mário Lago e Ataulfo Alves

Foi ao Café Nice que Mário Lago se dirigiu para comemorar com Ataulfo Alves o estouro de “Atire a primeira pedra”, samba de amor custoso escrito pelos dois compositores. O famoso reduto da boemia carioca abrigava a música como que por espontânea ligação religiosa. E eram versos religiosos que valorizavam o sucesso da composição em ritmo de penitência. Com a interpretação de Orlando Silva em 1944, foi lançada por Emilinha Borba no filme “Tristezas não pagam dívidas”. A música desfilou na boca do povo com tamanha empolgação no Carnaval daquele ano, que, de acordo com Mário Lago, foi a única vez que viu o amigo Ataulfo de “pilequinho”. E diz: “Perdão foi feito pra gente pedir“.

“Perdoa, Meu Amor” (valsa, 1947) – Georges Moran e J. G. de Araújo Jorge

O compositor judeu russo Georges Moran migrou para a Alemanha na década de 1920, mas, com a ascensão do regime nazista, teve que se refugir no Brasil, onde chegou em 1934. Aqui, conheceu o poeta J. G. de Araújo Jorge, nascido no Acre, com quem teve a oportunidade de compor a valsa “Perdoa, Meu Amor”, lançada pelo cantor Orlando Silva, em 1947. Posteriormente, a música ganhou outras vozes de peso, como do seresteiro Silvio Caldas, de Guilherme de Brito (histórico parceiro de Nelson Cavaquinho em clássicos como “A Flor e o Espinho), de Zé Renato e de Nana Caymmi, que concedeu a essa letra apaixonada toda a densidade inerente à sua interpretação…

“Molambo” (samba-canção, 1956) – Meira e Augusto Mesquita

Vizinho de Noel Rosa no Rio de Janeiro, o violonista pernambucano Meira foi um dos principais baluartes do instrumento nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Habilidoso instrumentista, era também um compositor com seus dotes, tanto que, em 1956, compôs com Augusto Mesquita o seu principal sucesso autoral. Lançado pelo cantor Roberto Luna, o samba-canção “Molambo” ficou muito conhecido na gravação acachapante de Cauby Peixoto, naquele mesmo ano. A música conta a história de um homem que, a despeito dos conselhos dos amigos, resolve aceitar de volta a mulher amada, “depois de tudo que ela me fez”. Eis um exemplo clássico de perdão na MPB…

“Se É Tarde Me Perdoa” (samba-bossa, 1960) – Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli

Ronaldo Bôscoli é uma das figuras mais lendárias da música brasileira. Ao longo dos anos, ele cultivou com afinco e orgulho a fama de cafajeste e mulherengo. “Se É Tarde Me Perdoa” é um poema que nasceu de sua pena reforçando essa fama de bon-vivant. Ao apresentar a letra para Carlinhos Lyra, com quem já havia composto “Lobo Bobo”, o parceiro topou o desafio de musicá-la. Nascia um dos clássicos da canção popular brasileira, especialmente adotado pela Bossa Nova de João Gilberto, que receberia versões de Leny Andrade, Sylvinha Telles, Leila Pinheiro, Jair Rodrigues, dentre outros. A música apela ao perdão daquele sujeito intransigente, que sabe que repetirá o pecado.

“É Preciso Perdoar” (bossa nova, 1966) – Alcyvando Luz e Carlos Coqueijo

Uma parceria de dois baianos foi lançada oficialmente em 1966 pela voz dos cariocas do grupo MPB4, no I Festival Internacional da Canção Popular. No ano seguinte, “É Preciso Perdoar” foi apresentada por Lindolfo Gaya e Sua Orquestra em um novo festival. Sofisticada, essa canção tipicamente adaptada ao estilo da bossa nova foi composta pelo violonista e arranjador Alcyvando Luz com o intelectual, compositor, maestro e jurista Carlos Coqueijo, donde toda sua sofisticação já fica evidente. Conterrâneo dos compositores, o também baiano João Gilberto, Papa da Bossa Nova, tomou para si essa preciosidade ao gravá-la mais de uma vez, inclusive com Stan Getz.

“Perdoa” (samba, 1976) – Paulinho da Viola

O mais apegado à tradição da geração de músicos que despontou na década de 1970, Paulinho da Viola nem por isso deixou de inovar em sambas como “Roendo as Unhas”, “Para Ver as Meninas” e “Sinal Fechado”, hino contra a ditadura militar no auge da censura, que ganhou uma interpretação emblemática e deu nome a disco de Chico Buarque, em 1974. Filho de César Faria, histórico violonista do conjunto de choro Época de Ouro, Paulinho, desde cedo, reverenciou o passado em suas composições, sem perder de vista o olhar para o presente. Como ele mesmo diz: “Meu tempo é hoje”. Em 1976, Paulinho compôs o lindo e envolvente samba “Perdoa”. Uma pérola da MPB.

“Perdão” (samba-canção, 1977) – Mauro Duarte, Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro

Maurício Tapajós nasceu no dia 27 de dezembro de 1943, e morreu no dia 21 de abril de 1995, após sofrer um infarto. Apesar de ter morrido precocemente, com apenas 51 anos, Maurício Tapajós assinou importantes canções da música brasileira, dentre elas “Mudando de Conversa”, com Hermínio Bello de Carvalho, “Pesadelo” e “Tô Voltando”, ambas com Paulo César Pinheiro, e “Carro de Boi”, com Cacaso, gravada por Milton Nascimento. Não menos relevante é a parceria com Aldir Blanc em “Querelas do Brasil”, de 1978. Um ano antes, em 1977, compôs com Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro o comovente samba-canção “Perdão”, lançado por Clara Nunes e regravado por Marisa Gata Mansa.

“Mil Perdões” (MPB, 1984) – Chico Buarque

Se a história da música popular brasileira possui uma linhagem, nela não pode faltar o nome de Chico Buarque de Hollanda. Filho do historiador Sérgio Buarque – e irmão das também cantoras Miúcha, Cristina Buarque e Ana de Hollanda –, o garoto prodígio da canção nacional, como era de se esperar, começou cedo. Enfileirou sucessos desde o princípio da carreira, nos anos 1960, auge da bossa nova, passando por vários ritmos, gêneros e inclusive movimentos musicais, alinhavando parcerias com nomes como o poeta Vinicius de Moraes, o maestro Tom Jobim, o dramaturgo Ruy Guerra e o tropicalista Gilberto Gil. Em 1984, Chico, com sua verve, lançou a irônica “Mil Perdões”.

“Perdão, Palavra Bendita” (samba, 2015) – Monarco e Mauro Diniz

Hildemar Diniz, mais conhecido como Monarco, nasceu no Rio de Janeiro no dia 17 de agosto de 1933, e morreu na mesma cidade no último dia 11 de dezembro de 2021, aos 88 anos. Cantor, compositor e presidente de honra da Portela, tornou-se um dos mais ativos nomes da escola de samba. Desde 1950, ele integrava a ala de compositores da Portela, onde se tornou líder da velha guarda. Sua especialidade eram os “sambas de terreiro” ou “sambas de quadra”. Entre os maiores sucessos de Monarco estão “Coração em Desalinho”, “Lenço” e “Passado de Glória”. Em 2015, Zeca Pagodinho lançou o samba “Perdão, Palavra Bendita”, parceria com Mauro Diniz.

“Porto-poema” (samba, 2023) – Raphael Vidigal e Marcos Frederico

O inesperado acendeu a canção “Porto-poema”, que nasceu com outro nome, e andamento diferente. O mundo estava sob uma pandemia quando o jornalista e poeta Raphael Vidigal recebeu do músico e habilidoso instrumentista Marcos Frederico uma melodia para colocar letra. O verso que a intitulou foi um dos últimos a vir à tona. A melodia também se modificou plenamente, agora impulsionada por um esperançar dos novos tempos, de uma nova estrela a brilhar no horizonte, com um sentimento de gratidão ao mundo e de perdão pelas dificuldades atravessadas neste caminho. “Hoje a vida me dá bem mais...”, diz o bonito verso que encerra o poema, em forma de canção.