“É igual fazer um queijo, um doce de leite”. É com toda essa mineiridade que Cida Mendes define o que é filosofia para ela. “É síntese, você vai fazendo a redução”, sublinha. A intérprete da personagem Concessa, que popularizou em todo o Brasil o bordão “oi, coisinha”, com os trejeitos de uma caipira que de boba não tem nada, lança, no próximo sábado (2), o seu primeiro livro.
“Fisolofias de Concessa” sai pela editora Ramalhete, e compreende uma série de textos que nasceram dos roteiros para a personagem antes de se tornaram crônicas que abordam diversos temas, inclusive os mais delicados, sob o filtro “do humor e da afetividade”.
“A Concessa é uma palhaça e, na palhaçaria, temos uma regra interna que todos carregamos: vale tudo, desde que não machuque nem a gente nem os outros”, observa. Uma das ideias do livro, que traz a linguagem própria da personagem, afeita a criar expressões que escapam aos limites dos dicionários, é “tirar a filosofia do pedestal”.
“Quero tirar esse distanciamento, como se fosse uma coisa muito acadêmica, que a pessoa precisa ter lido todos os clássicos. Toda pessoa pode filosofar com seus pensamentos. Se alguém tiver coragem de dizer que gostou do livro por causa disso, já vou ficar satisfeita”, garante a escritora estreante.
Humor. Um dos recursos que a artista utiliza para gerar aproximação é a personagem Jandira, com quem ela conversa por telefone quando o tema da prosa “é mais complicado, por exemplo, no caso do suicídio”.
“Achava difícil falar sobre isso olhando para a câmera ou para o público, tinha medo de ficar moralista. Conversando com a Jandira, se servir para a outra pessoa, serviu. Para mim, a Jandira simboliza a amiga que a gente precisa ter nessa vida”, destaca.
Jandira virou um fenômeno nas redes sociais, tanto que, segundo Cida, batiza até grupo de WhatsApp, “As Jandiras”, e passou a ser usada como sinônimo de melhor amiga, aquela confidente, para todas as horas do dia. “O humor é um ótimo aliado na comunicação, porque ele te deixa na horizontal, você não está falando de cima pra baixo, e isso desarma as pessoas”, opina a comediante.
Encontro. Tudo começou quando Cida notou na plateia uma pessoa que ela desconfiava conhecer de algum lugar. Na ocasião, a humorista abria o Encontro Nacional de Bordadeiras de Pirapora, no ano passado. “Fiquei pensando se a gente tinha estudado na mesma escola, se ele era de Belo Horizonte”, relembra ela, que nasceu em Pará de Minas.
O mistério foi desfeito quando Álvaro Gentil revelou que havia sido dono de uma livraria nas proximidades da antiga sede do jornal Hoje em Dia, onde Cida costumava ir para realizar suas pesquisas de personagem. “Sabe aquela pessoa que te deixa à vontade? Ele era um amor, muito generoso, passava horas na livraria dele olhando tudo com muita calma”, recorda.
Na conversa, Álvaro falou sobre seu novo empreendimento, a editora Ramalhete, e a questionou sobre os textos que ela apresentava na pele de Concessa, se eles estavam escritos e guardados. Com a resposta positiva, ele a convidou para publicar o conteúdo, com o seguinte argumento: “Vamos fazer um livro, tem muita filosofia aí”.
Cida topou o desafio e contou com a ajuda preciosa do mais novo amigo. O critério da seleção foi “comunicar ideias, fazendo perguntas e questionando”, ao modo do que ela está acostumada em seu canal no YouTube, “Tecendo Prosa”, sempre caracterizada como Concessa. Atualmente, já contabiliza mais de 335 mil inscritos.
Plataforma. “Meus vídeos giram muito em grupos de família. Estou lidando muito bem com a internet. O canal é meu, então falo o que eu quiser. Para o bem e para o mal, a responsabilidade é minha. Me arrisco bem”, garante ela, que, em “pleno perrengue da pandemia” teve a iniciativa como um trunfo fundamental para sobreviver.
Cida considera a experiência mais positiva do que a que ela teve na televisão, onde atuou até 2013, participando da “Escolinha do Gugu”, “A Turma do Didi”, “Programa Feminina”, dentre outros. A primeira oportunidade foi no canal por assinatura Multishow, em 1997, depois de vencer o prêmio de humor da emissora.
“O pessoal da TV tentou me enquadrar, quiseram me engavetar e colar um rótulo, foi bem difícil porque cheguei com minha personagem e tentavam me transformar na burra da escolinha, na feia, uma imagem muito distorcida da caipira, talvez pela própria lembrança do Jeca Tatu”, sustenta, em referência ao histórico personagem criado por Monteiro Lobato e interpretado no cinema pelo comediante Mazzaropi, no final da década de 1950.
Inspiração. “Me recusei desde o princípio a repetir esse humor brasileiro de diminuir o caipira, colocar como bobo, nenhuma das mulheres que pesquisei era boba, como dizia minha mãe, ‘caipira faz sopa de pedra’, não fica lamentando, de coitada não tem nada”.
A mãe, aliás, foi a principal influência nessa caminhada cênica e de vida, que ultrapassou o teatro com a criação do restaurante “Casa de Concessa”, localizado no Km 49 da BR-040, em Paracatu, na beira da estrada, onde hoje ela recebe do povo as histórias que costumava ouvir em casa e recolher pelo mundo.
“A Concessa é resultado de uma pesquisa que surgiu logo que comecei a fazer teatro, com a Iolene (de Stéfano), que é nossa diretora até hoje”, informa. A dica recebida era: busque o que te inspira. A inspiração de Cida sempre “correu em volta desse tipo de mulher”. “Com o tempo, fui descobrindo que era um pouco saudade da minha mãe”.
As lembranças se uniram à convivência com outras mulheres, inclusive a dona original do nome Concessa, que, no início do ano, faleceu em Pará de Minas. “O que fui descobrindo com o passar dos anos é essa afetividade e hospitalidade do mineiro. Ando no país inteiro e, quando falo de Minas, as pessoas já abrem os braços pra te abraçar. O mineiro é muito querido por causa desse jeito carinhoso, de falar no diminutivo: ‘ô coisinha, vou fazer um cafezinho, bonitinho demais da conta’”, exemplifica.
Comparação. “Brinco que é o queijo na veia”, diverte-se. A caracterização da personagem e o universo abordado levaram a comparações, no início da carreira, com a Dona Filó de Gorete Milagres, mineira de Conselheiro Lafaiete.
“Tenho o maior respeito pela Gorete, não a conheço pessoalmente, começamos na mesma época, ela na TV aberta, no SBT, e eu na fechada, numa época em que quase ninguém tinha TV por assinatura. Então ela explodiu, e eu nunca bombei, como o povo diz atualmente nas redes sociais. Tudo para mim foi bem devagar, tive que resistir muito, não queria abrir mão do que era importante na personagem, sou mais enjoada”, afirma.
Embora admita a confusão, ela própria detecta diferenças bem aparentes. “Ela é miudinha, eu devo ser uns 20 quilos mais gorda. A televisão tenta nos colocar numa gaveta, como se fosse tudo igual, e tem gente que nem repara, é falta de prestar atenção”, arremata.
Como canta Moraes Moreira numa música, “pensaram que Alceu era eu/ (...) eu uso bigode e ele não”, e Itamar Assumpção em outra: “alguém começou a gritar/ jurou que me conhecia/ mas no lugar de Itamar/ disparou: Luiz Melodia!”.
Serviço.
O quê. Lançamento do livro “Fisolofias de Concessa”, com a atriz Cida Mendes
Quando. Dia 2 de setembro (sábado), das 10h às 14h
Onde. Attelier Savassi Restaurante (rua Alagoas, 763, Savassi)
Quanto. O livro será vendido no local a R$50,00