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Diana Pequeno abandonou a carreira no auge para recuperar a essência perdida

Cantora e compositora baiana completa 65 anos como dona de um repertório que capta a luta e as belezas do povo brasileiro

Diana Pequeno conferiu sua voz cheia de amplidão e profundidade a músicas de Elomar, Pablo Milanés, Chico Maranhão e Beto Guedes

Um sorriso moreno, marcado pelo sol. Entre uma e outra, Diana Pequeno surge com o semblante fechado, na capa do LP “Eterno como Areia”, de 1979. Mas é no disco de estreia, de 1978, e em “Sinal de Amor”, de 1981, que ela parece expressar melhor o seu estado de espírito.

Os cabelos volumosos contornam a expressão gaiata, um tanto brejeira, cheia de juventude, e, numa delas, são enfeitados com uma rosa branca, tendo o mar da Bahia por fundo. A partir de “Sentimento Meu”, de 1982, essa imagem desmanchou-se e, depois, desapareceu.

Diana passou a fitar o público em poses circunspectas e enigmáticas, como no encarte em preto-&-branco de “Mistérios”, de 1989, o último LP antes de abandonar a carreira. “O Mistério das Estrelas” o precedeu.

Baiana de Salvador, ela começou a carreira despretensiosamente. Cursando engenharia elétrica na Universidade Federal da Bahia, cantava para os amigos. O pai, apesar de amante da música clássica e instrumental, desaconselhava o caminho inconstante e tentador da arte.

Por fina ironia, foi ele quem a indicou para um teste na RCA-Victor, junto a outras duas cantoras, a pedido de um amigo, certo de que a filha não seria aprovada. Diana já saiu de lá com um contrato assinado e, aos 19 anos, colocou os pés pela primeira vez no estúdio.

A amplidão e profundidade da voz da menina chamou atenção logo de cara. Diana cantava com sentimento, sem perder de vista o domínio de melodia e letra. Influenciada pela música moura e árabe, mantinha o Brasil no horizonte...

Como se a miragem de um país idílico e exuberante mantivesse ancorada a realidade da terra agastada em que se pisava, de chão de barro e areia, e da argila a formar toda essa massa feita de pássaros, cicatrizes e corais.

O sol, vermelho, queimava o sorriso moreno de Diana Pequeno, que cantava para as estrelas, os operários e camponeses. O anacronismo de seu repertório se sustentava na atemporalidade dos temas. A maneira de interpretar, livre dos cacoetes, mirava Angela Maria. Diana Pequeno renovava o passado de olho no futuro.

O presente que a interessava. Quando retomou a carreira, já nos anos 2000, disse que sentia saudades “de não ser profissional”. Diana Pequeno fez do gesto de cantar e compor, que, no início, ela tolhia, um ofício. Como quem não deixa a repetição do dia-a-dia macular a essência do primeiro canto do dia.

“Los Caminos” (canção cubana, 1972) – Pablo Milanés

Baiana de Salvador, a cantora Diana Pequeno foi criada no bairro de Nazaré, e lançou o primeiro disco em 1978. Ali, ela já demonstrava o espírito desbravador e inquieto como intérprete, ao apresentar ao público brasileiro a comovente canção cubana “Los Caminos”, de Pablo Milanés, lançada pelo compositor em 1972. Pouco a pouco, Milanés se tornaria uma presença cada vez mais forte na música popular brasileira, angariando a admiração de nomes como Chico Buarque, Milton Nascimento e Fagner, além de ganhar as vozes de cantoras como Simone e Mercedes Sosa. Mas a Diana Pequeno cabe esse pioneirismo.