Há uma cena tocante do filme britânico “Quatro Casamentos e um Funeral”, de 1994, em que o viúvo de uma personagem lê o poema de W.H. Auden sobre a morte. As palavras revelam a relação da humanidade com esse acontecimento tão inevitável quanto inesperado, e como o fato de termos consciência da finitude nos afeta.
Não é a toa que muita gente canta até hoje que não aprendeu a dizer adeus, reciclando o velho sucesso de Leandro & Leonardo. O ano de 2022 ficou marcado por grandes perdas na cultura brasileira, nas mais variadas áreas, o que serve de ensinamento para preservar a nossa memória...
Jô Soares
Humorista e intelectual, Jô Soares era o típico artista polivalente, que jogava nas onze. Entre suas habilidades criativas estavam a pintura, a música, o cinema, o teatro e a literatura, além do tino para entrevistar, que o consagrou a frente dos programas “Jô Soares Onze e Meia”, no SBT, e “Programa do Jô”, na Globo. Em agosto, ele morreu aos 84 anos, vítima de insuficiência renal e cardíaca, deixando um inestimável legado de contribuições à cultura nacional...
Gal Costa
Outra perda sentida foi a de Gal Costa. Aos 77 anos, a cantora de voz de cristal sofreu um infarto dias após se submeter a uma cirurgia para a retirada de um nódulo no nariz. A partida de Gal pegou o Brasil de surpresa e levou às lágrimas seus companheiros de geração, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia. Porta-voz da Tropicália, Gal se consagrou como uma das maiores cantoras do Brasil, com um timbre único, e uma afinação de emocionar a todos.
Rolando Boldrin
No mesmo dia de Gal, em 9 de novembro, o país sofreu com a partida de Rolando Boldrin, aos 86 anos. Pesquisador incansável da música brasileira, Rolando foi cantor, compositor, ator e apresentador, e ficou muito conhecido graças ao trabalho exercido no programa “Senhor Brasil”, que resgatava a memória da música brasileira. No palco, ele dava espaço a artistas de variados matizes, sempre prezando a força da nossa diversidade cultural. Um exemplo...
Erasmo Carlos
Em novembro, o “Tremendão” Erasmo Carlos voltou a fazer o país chorar. Aos 81 anos, um dos compositores mais gravados de todos os tempos partiu levando seu rock e suas canções românticas, que seguem tocando corações. Erasmo foi vítima de um edema que acumulava líquido em seu corpo. Entre as canções de maior sucesso do astro figuram “Minha Fama de Mau”, “Sentado à Beira do Caminho”, “É Preciso Saber Viver”, “Gatinha Manhosa”, “Mulher”, etc.
Elza Soares
Em janeiro, o país deu adeus a Elza Soares, eleita a cantora do milênio pela BBC de Londres na virada do ano 2000. Com uma voz rouca capaz de emitir graves e grooves que encantaram até Louis Armstrong, Elza morreu aos 91 anos, deixando para as futuras gerações um legado de força e determinação, calcado na beleza de uma voz que não enxergava fronteiras e desafiou um país desigual, racista e patriarcal. Elza foi do samba ao rock e soube se recriar.
Milton Gonçalves
Mineiro de Monte Santo, Milton Gonçalves foi um dos atores mais expressivos da dramaturgia nacional, e encarou papeis emblemáticos em filmes como “Cinco Vezes Favela”, “Mineirinho Vivo ou Morto”, “Macunaíma”, “A Rainha Diaba”, e tantos outros, dando voz a personagens marginalizados do nosso desenho social. Em “Pedro Mico”, de 1985, protagonizado por Pelé, ele dublou o Rei do Futebol, em mais uma atuação impagável que reforçava o seu talento. Milton morreu em maio aos 88 anos, após sofrer um acidente vascular cerebral.
Pedro Paulo Rangel
Conhecido graças a papeis cômicos em novelas como “O Cravo e a Rosa”, “Vale Tudo” e “Engraçadinha”, Pedro Paulo Rangel foi um ator premiado no teatro, com atuações marcantes nas montagens de “Roda Viva”, “O Beijo no Asfalto” e “O Mercador de Veneza”. Em dezembro, Pedro Paulo Rangel morreu aos 74 anos, vítima de um enfisema pulmonar advindo do vício em cigarro. O estilo despojado e claro de sua atuação marcou a bela carreira de Pedro Paulo.
Arnaldo Jabor
Arnaldo Jabor foi um polemista de primeira hora, que enveredou para o jornalismo quando o cinema nacional foi abandonado à própria sorte mais uma vez. Antes, porém, dirigiu filmes de grande força dramática, como “Toda Nudez Será Castigada”, “Eu Te Amo”, e o divertido “Tudo Bem”, colocando em questão, preferencialmente, a hipocrisia da classe média. Jabor também teve texto musicado por Rita Lee, “Amor e Sexo”, e morreu aos 81 anos de um AVC.
Luiz Galvão
A importância de Luiz Galvão ainda precisa ser devidamente mensurada na música brasileira. Fundador dos Novos Baianos com Moraes Moreira e Paulinho Boca de Cantor, ele sofreu a sina dos letristas, que emprestam seus versos para que outros o interpretem. Basta dizer que clássicos da MPB como “Acabou Chorare”, “A Menina Dança”, “Mistério do Planeta”, “Preta Pretinha”, entre outros, possuem a sua assinatura. O poeta e letrista morreu aos 87 anos.
Cláudia Jimenez
A atriz Cláudia Jimenez foi uma das grandes humoristas da televisão brasileira. Basta constatar que ela precisou de apenas uma temporada do programa “Sai de Baixo” para eternizar a personagem Edileuza no inconsciente popular. Essa foi apenas uma de suas atuações marcantes, que ainda traz no currículo a eterna Cacilda da “Escolinha do Professor Raimundo”, e novelas como “Torre de Babel” e “As Filhas da Mãe”. Cláudia foi vítima de um câncer, aos 63 anos...