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Miss Brasil: mineira fez ‘vakinha’ para participar do estadual e se tornou a 3ª miss negra eleita em MG

Natural de Ouro Preto, Isalu Souza é filha de diarista e segurança e compete hoje pelo título de Miss Brasil

Isalu Souza em ensaio para o Miss Universo Brasil

Isadora Lúcia de Souza Silva, mais conhecida como Isalu Souza, compete na noite deste sábado (8) pelo título de Miss Universo Brasil em São Paulo. O que muita gente não sabe é que para chegar ao concurso, a mineira, natural de Ouro Preto, precisou enfrentar vários obstáculos e alguns “nãos” neste percurso. Saiba tudo sobre a final do Miss Universo Brasil aqui.

Terceira mulher negra a ser eleita Miss Universo Minas Gerais, Isalu disputou a coroa com 32 mulheres e se arrumou sozinha para a final do concurso. Filha de diarista e segurança, ela contou em entrevista à Itatiaia que apesar da vida simples seus pais nunca deixaram faltar nada. A mãe é seu maior exemplo: “sou uma mulher completa por causa dela. Uma guerreira”.

Sempre focada e em busca de conhecimento, Isalu conta que sempre estudou em escolas públicas e passou em primeiro lugar em jornalismo na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). E o currículo dela não para por aí. A Miss Minas Gerais fez oito anos de piano, artes plásticas, toca flauta doce e violão. E, se não bastasse, ainda é poetisa. Inclusive, ela venceu um concurso nacional de poesia, conquistando assim uma página no “Poesia Livre 2020”.

“Sempre tive uma vida muito humilde, mas sempre imersa em diversas atividades culturais graças a minha mãe, que sempre lutou para me inserir nesses ambientes em que outras crianças da minha realidade social talvez não pudessem. Acredito que todo diferencial da minha construção tenha vindo desse berço cultural”, conta.

A beleza não passava despercebida, tanto que, aos 17 anos, iniciou a carreira de modelo fotográfica. Ela recorda também algumas dificuldades enquanto mulher negra. “A gente sabe que oportunidades para pessoas de pele branca e pessoas de pele negra são diferentes na nossa sociedade. Não tem como negar o racismo instaurado, o racismo que a gente vive a cada dia, mas eu sempre procuro buscar força em mim mesma, em todos os ensinamentos da minha família e em tudo que eu aprendo a cada dia”, diz.

Para ela, o concurso foi um enorme desafio por vários motivos. “Surgiu como um chamado na minha vida, porque foi um convite. Eu não fui até ele, ele veio até mim. Desde o início, eu sempre tive que correr atrás de muitas coisas e me esforçar muito por ser algo que não estava diretamente ligado ao meu dia a dia”, explica.

Recebeu muitos nãos

Ela revela ter recebido muitos “nãos”, mas recorda com alegria de quem sempre a apoiou. “Recebi muitos ‘nãos’ aqui na minha cidade em relação a apoio, seja financeiro ou com materiais, como a montagem do guarda-roupa para o confinamento”. Sobre os “sins”, ela enfatiza: “Me deram forças para continuar lutando pelo que eu acredito”.

A Miss confessa que pensou em desistir. “Sou uma mulher negra e de classe baixa. Isso acaba sendo meio estigmatizado, então acredito que muitas pessoas aqui na cidade não tenham visto o meu valor de participação no Miss Universo Minas Gerais e, por isso, decidiram não me apoiar. Então eu tive que lutar muito, eu tive muito apoio da minha família e da própria Prefeitura de Ouro Preto”, relembra. À época, Isalu chegou a fazer uma vaquinha para “captar recursos necessários para sua preparação”.

A preparação contou com aulas de passarela, inglês, oratória e guarda-roupa para o confinamento. “No confinamento, por exemplo, eu estava sozinha nesse processo. Estávamos abertos a ter equipes com a gente de maquiadores, estilistas e coachs. Muitas candidatas tinham equipes enormes, enquanto eu me encontrava sozinha. Eu me produzi sozinha todos os dias”.

“Foi uma uma missão de esforço individual meu. Acredito que essa tenha sido a maior dificuldade. Mesmo estando sozinha, eu consegui alcançar o título de Miss Universo Minas Gerais, o que prova mais uma vez o meu propósito. Eu estava sozinha, mas não estava sozinha, minha família estava sempre do meu lado, assim como Deus”, acrescenta.

Visibilidade a mulheres negras

Caso vença o Miss Universo Brasil, Isalu pretende dar visibilidade à mulher negra na sociedade. “Quero falar sobre questões sociais e esses assuntos que a gente não fala, que é o racismo na sociedade. As pessoas precisam ser letradas em questões sociais, precisa ser uma prioridade na nossa sociedade debater sobre essas questões”, defende.

“A gratidão é o maior dos sentimentos, porque acredito que todos nós procuramos uma razão para estar aqui no mundo e eu verdadeiramente achei a minha razão de estar aqui, que é de representar as mulheres negras, assim como todas as mulheres, e de falar por elas na sociedade. Quero ser um espelho para as mulheres de que somos capazes, inteligentes e podemos estar onde nós quisermos. Tendo uma sociedade mais justa para nós, uma sociedade que dá mais valor a nossa voz, que ouve as nossas pautas, nossas dores e as nossas necessidades. Então o sentimento é de muita gratidão, me sinto verdadeiramente feliz”, finaliza.

A estudante de jornalismo é a segunda ouro-pretana a ganhar a faixa de Miss Minas Gerais. A primeira foi Rafaella Tinti Borja Pinto, em 2003, que ficou no TOP 10 do Miss Universo Brasil daquele ano. Além disso, Isalu é a terceira mulher negra do estado a receber o título. Antes dela, venceram o concurso Alessandra Nascimento, Miss Minas Gerais 1999, e Karen Porfiro, Miss Minas Gerais 2014.

Caso vença, Isalu compete pela coroa mundial no Miss Universo, a ser realizado em El Salvador em dezembro deste ano.

Primeira Miss Brasil negra

A gaúcha Deise Nunes foi eleita Miss Brasil no dia 17 de maio de 1986 - há 37 anos - entrando para a história dos concursos de beleza. Afinal, a representante do Rio Grande do Sul se tornou a primeira mulher negra a receber o título no país. “Foi extremamente importante para todas as mulheres negras”, conta a eterna Miss Brasil 1986 em entrevista à Itatiaia em maio deste ano.

Para conquistar a coroa, assim como Isalu, Deise passou por muitas dificuldades. “Eu venho de uma família bem humilde, com pouca situação financeira”, destaca. “Eu cuidei daquelas roupas com o máximo cuidado possível, como se fossem joias raras, porque eu sabia que a minha mãe não teria condições financeiras de arcar com aquela despesa. Por sorte, várias pessoas me deram coisas, como acessórios e roupas de ginástica, que precisavam ser levadas para o Miss Brasil”, relembra.

Além do sexto lugar no Miss Universo, Deise ganhou o segundo melhor traje típico da noite. “Entrei nesses concursos uma menina e sai como uma mulher. Os concursos ensinam muito. Basta que a gente observe tudo que acontece ao nosso redor. E eu era muito observadora. Então foi muito gratificante ter representado o Brasil no Miss Universo”, enfatiza.

Em 72 anos de concurso, além de Deise Nunes, apenas duas mulheres negras receberam a faixa. São elas: Raíssa Santana (Miss Brasil 2016) e Monalysa Alcântara (Miss Brasil 2017). Agora, a mineira Isalu está em busca da terceira coroa.

Inclusive, após Isalu ter a vitória questionada por alguns internautas, Deise Nunes deixou um conselho para ela. “As pessoas ainda não estão prontas para aceitar que uma pessoa negra possa realmente estar no lugar de destaque. É muito triste isso. O conselho que eu dou para essas meninas é que elas jamais desistam dos seus sonhos”, diz a primeira Miss Brasil negra.

“Eu sempre tirei lições dos preconceitos que eu sofria e eu acho que foi isso que me fez seguir em frente, claro que com a ajuda da minha mãe, que sempre foi a minha maior incentivadora”, finaliza.

Patrícia Marques é jornalista e especialista em publicidade e marketing. Já atuou com cobertura de reality shows no ‘NaTelinha’ e na agência de notícias da Associação Mineira de Rádio e Televisão (Amirt). Atualmente, cobre a editoria de entretenimento na Itatiaia.