Ouvindo...

Há 70 anos, o Brasil perdia Francisco Alves, o seu primeiro Rei da Voz

Cantor morreu tragicamente em 1952, aos 54 anos, após sofrer um acidente automobilístico, e influenciou gerações seguintes

Francisco Alves influenciou nomes como Nelson Gonçalves e cantou com Mário Reis

“Ao soar o carrilhão dando as doze badaladas, ao se encontrarem os ponteiros na metade do dia, também os ouvintes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, no programa Luís Vassalo, se encontram com Francisco Alves, o Rei da Voz!”.

Com estas palavras, Lúcia Helena o anunciava e sua voz grave e pesada logo tomava conta de todas as casas do país. Àquela altura, ele já havia sido coroado por César de Alencar, mas, antes de poder desfrutar de toda a sua realeza, havia trabalhado como motorista de táxi, engraxate e operário de fábrica de chapéus.

Estreia. Quando lhe foi oferecido pela primeira vez um microfone, a estreia se deu em um circo, cenário que jamais se repetiria depois de gravadas duas músicas do sambista Sinhô. Dali pra frente sua vida seria repleta de glórias, dinheiro e muitos discos vendidos, ocupando sempre o lugar mais alto das paradas de sucesso, afinal de contas, a coroa já era dele e o microfone há muito lhe reverenciava.

Francisco Alves foi o representante primeiro e mais importante de duas décadas que consagraram um estilo de cantar empostado e com dós de peito. Trajando ternos e smokings elegantes, carregando a voz e o violão, ele se tornou o grande fenômeno de massa da Era de Ouro do rádio brasileiro, e foi peça fundamental na consolidação e no aprimoramento das técnicas elétricas das gravações de música no Brasil.

Não houve brasão maior da música brasileira, mesmo que influenciada pelo bel-canto da ópera italiana, do que aquele que reinou absoluto nas décadas de 1930 e 1940, aclamado pelos radialistas e adorado por seu povo, o Rei da Voz, Francisco Alves.

Estilo. Levantando a voz e erguendo os pulmões para que eles alcançassem a ponta do microfone e pudessem transmitir ao público os sentimentos exacerbados da Voz do Rei de todas elas, Francisco Alves cantou de todo o tipo de música: marchinhas, boleros, tangos, sambas e rumbas, e foi sempre idolatrado.

Indo da Argentina até os morros cariocas, emprestou sua voz para jogar luz sobre sambistas como Cartola, Ismael Silva, Nilton Bastos e Noel Rosa, e usou seu dinheiro para que seu nome fosse incluído na autoria.

Nesse percurso, sempre em disparada e tons extremos, formou uma emblemática dupla com o suave Mário Reis e compôs belas melodias para as letras do poeta Orestes Barbosa. Como em tudo que fazia, o glamour e a grandiosidade eram os estandartes principais de sua trajetória regada a ouro, bambas do samba e músicas bonitas.

Francisco Alves era um Rei por excelência, e o apogeu em sua história foi quase que uma constante. Ainda no auge, ele partiu para mais uma viagem no dia 27 de setembro de 1952, só que, desta vez, o grande Chico Alves seria sinônimo de cinco letras que choram.

Legado. Quando a notícia do trágico acidente que matara o Rei da Voz chegou, houve comoção no país inteiro, as fãs se desesperaram e registrou-se até suicídio. Mais uma vez arrastando uma multidão, seu corpo seguiu em cortejo. A voz magistral se calava temporariamente, pois Chico Viola logo voltaria em sambas feitos em sua homenagem e nas rádios que continuaram tocando seu repertório mesmo após a sua partida.

Alguns anos se passaram e cantores como Orlando Silva e Nelson Gonçalves dividiram o lugar de destaque que, por tanto tempo, pertenceu somente a ele, nunca deixando de lembrar o seu pioneirismo e a influência exercida. Por mais tempo e cantores que tenham atravessado a história da música brasileira, com igual ou superior qualidade, nunca se esqueceu do legado e da importância do Rei da Voz.

Enquanto esteve vivo, nenhum cantor foi tão soberano por tanto tempo como ele. Um rei escolhido por seu povo será sempre legítimo, e se a voz do povo é mesmo a voz de Deus, o Rei da Voz é aquele que merece ser sempre ouvido. “Meus amigos e ouvintes aqui me despeço, desejando um bom domingo para todos e até o próximo, se Deus quiser!”. Assim se encerrava a programação radiofônica com Francisco Alves.