O cirurgião plástico Hudson de Almeida, de 53 anos, indiciado por violência sexual e por estupro de vulnerável mediante fraude em Alfenas, no Sul de Minas, continua com o registro profissional ativo. O Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais (CRM-MG) informou que apura o caso. Hudson já havia sido denunciado por, pelo menos, sete mulheres entre 16 e 60 anos.
As investigações que resultaram no indiciamento do médico por violência sexual mediante fraude contra uma das vítimas, de 33, começaram em agosto do ano passado, quando a vítima procurou a delegacia para relatar o abuso.
A reportagem da Itatiaia teve acesso a denúncias feitas por pacientes entre 2020 e 2022 que relatam como o médico agia. Nos episódios, ele aproveitou-se da relação médico-paciente, a qual envolve confiança, simulando exames ou outros procedimentos para apalpar os corpos das vítimas. A identidade delas não será revelada, assim como detalhes dos casos.
Avental não era ‘sexy’
Em um dos registros, a vítima conta que foi para o consultório fazer um procedimento, mas o cirurgião pediu para fazer uma avaliação do corpo com o intuito de “verificar as possíveis intervenções”.
Em seguida, pediu para a paciente vestir um avental e ficar somente com peças íntimas. Logo, o homem disse que o avental “não era sexy”.
Em outro relato, consta que o homem se aproveitou da ausência da secretária que costumava acompanhar as consultas. Hudson teria dito que faria uma massagem na paciente para tratar um edema e melhorar a cicatrização provocada por um erro próprio em cirurgia íntima. As vítimas contam que, em um primeiro momento, as ações pareciam parte da consulta.
Em um dos episódios registrados na polícia, houve a conjunção carnal - comprovada por exames incluídos inquérito da polícia. Nas outras denuncias, a violência sexual ocorreu por meio de atos libidinosos e assédio verbal (comentários invasivos).
Em coletiva de imprensa, a delegada Rafaela Franco explicou que os crimes relacionados às outras vítimas prescreveram, o que não significa que não devem ser denunciados. “O somatório desses depoimentos é extremamente relevante para traçar o comportamento do investigado e pode reforçar e influenciar os casos em que ele será processado criminalmente”.
Médico já foi indiciado em 2021
Em 2021, o médico, que também era professor universitário, foi indiciado por estupro de vulnerável e violação sexual mediante fraude. Esse caso segue na Justiça.
A reportagem da Itatiaia entrou em contato com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e com a universidade em que ele lecionou e não teve retorno até esta publicação.
CRM e SBCP
O Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais (CRM-MG) disse ter recebido denúncia relacionada à violação sexual e informou que instaurou sindicância para apuração dos fatos.
“Todas as denúncias recebidas, formais e de ofício, são apuradas de acordo com os trâmites estabelecidos no Código de Processo Ético Profissional (CPEP), tendo o médico amplo direito de defesa e ao contraditório. Em conformidade com o CPEP todos os processos correm sob sigilo”, diz o órgão.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Regional Minas Gerais (SBCP-MG), informou, por meio de nota, que tomou conhecimento, pela imprensa, de investigação sobre o crime. “Em tempo, a SBCP-MG reitera que não pactua com práticas ofensivas ao direito dos pacientes e preza pelo respeito em todas as etapas da atuação médica”, informou.
A defesa
Em um primeiro momento, a reportagem da Itatiaia entrou em contato com o consultório do médico e foi informada que a agenda está fechada e sem data para novas consultas. Em três tentativas da reportagem na última semana, a secretária, ao ser informada que conversava com jornalista, disse que não estava ouvindo bem e desligou a ligação. A reportagem também enviou mensagem via aplicativo, mas continuou sem retorno.
Mensagens enviadas em uma rede social também ficaram sem resposta. Dias depois, o perfil foi deletado.
O espaço continua aberto caso o médico Hudson de Almeida queira se manifestar.
Outros casos acendem alerta
Em Orós, no interior do Ceará, um outro médico, de 71 anos, foi preso na última semana suspeito de tentativa de crime sexual contra uma paciente, de 22, que faria uma cirurgia íntima. Ele trancou a porta do consultório e tentou abusá-la durante um exame.
Na última terça-feira (28), o anestesista Giovanni Quintella Bezerra acusado de estuprar paciente durante parto em hospital do Rio de Janeiro, teve o registro profissional cassado.
Os casos chamam a atenção para o número de violência sexual contra mulheres praticadas por médicos em consultórios. Mas esse tipo de abuso acontece em qualquer esfera da sociedade.
“Não há um perfil específico de agressor. Nós, mulheres, achamos que a violência sexual só acontece quando estamos andando em um beco escuro, por um homem desconhecido que nos pega à força e violenta. Mas a violência frequentemente é cometida por pessoas próximas e da nossa confiança”, explica Camila Rufato Duarte, advogada e cofundadora do ‘Direito Dela’.
Entenda o que é o crime
O crime, previsto no artigo 215 do Código Penal, diz que “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.”
“A gente também chama esse tipo de crime de ‘estelionato sexual’, que é quando a vítima tem uma percepção equivocada do que está acontecendo e concorda com o ato ou então não percebe que aquele ato está ocorrendo. A vítima foi enganada ou a situação faz com que ela tenha dificuldade de manifestar a vontade dela livremente”, explica a advogada à reportagem.
Ela ainda ressalta que, quando você vai ao médico, na maioria dos casos a paciente já tem uma indicação ou confiança em relação à atuação do profissional.
“Ele precisa te examinar, é natural que haja um toque estritamente profissional no corpo para identificar algum problema de saúde. Enquanto leigas, temos dificuldade de perceber quando deixa de ser profissional e passa a ter cunho sexual”, acrescenta.
Denuncie
Caso você tenha sido vítima de violência sexual, procura uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher ou ligue para 181, serviço sigiloso do governo de Minas.