Como o NIR 2024 afina a lupa sobre as emissões atmosféricas da indústria brasileira

Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa mostra avanço no uso de metodologias, fatores de emissão específicos por processo e medições em planta para acompanhar CO2, CH4, N2O e PFCs em cadeias como química, petroquímica, aço, ferroligas, alumínio e efluentes industriais

Da chaminé ao inventário: o novo retrato das emissões industriais no Brasil

O monitoramento das emissões atmosféricas na indústria brasileira teve um acompanhamento minucioso, pelo menos entre 1990 e 2022 através do Relatório de Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa (NIR 2024). O documento detalha não só quanto cada setor emite, mas quais métodos, fatores de emissão e dados industriais sustentam esses números, consolidando uma base técnica que orienta política pública, regulação e decisões empresariais.

Inventário como espinha dorsal do controle

O NIR 2024 organiza as emissões industriais no setor de Processos Industriais e Uso de Produtos (IPPU) e no setor de Resíduos, seguindo as diretrizes do IPCC 2006, com aplicação de diferentes níveis metodológicos (Tier 1, 2 e 3) conforme a disponibilidade e qualidade dos dados. Na prática, isso significa que o monitoramento combina fatores de emissão padrão internacionais com medições específicas de plantas industriais, tornando os resultados mais aderentes à realidade brasileira.

Para a indústria química, metalúrgica, mineral e de alumínio, o relatório mostra que os cálculos de emissões são alimentados por séries históricas de produção, consumo de matérias-primas e combustíveis, dados de associações setoriais como Abiquim, IABr e ABAL e informações energéticas do Balanço Energético Nacional (EPE). Esse cruzamento de bases amplia a robustez das estimativas e permite revisões periódicas quando surgem dados mais refinados, garantindo consistência da série temporal.

Química: fatores de emissão medidos dentro da fábrica

No subsetor Indústria Química, o NIR 2024 destaca que, para alguns produtos, o país já opera no patamar mais avançado de monitoramento, com uso de metodologias Tier 3 baseadas em medições diretas em planta. É o caso das emissões de CO2 na produção de amônia, para as quais se utilizam medições de combustíveis e matérias-primas feitas pelas próprias empresas, resultando em um fator médio nacional de 1,46 tonelada de CO2 por tonelada de amônia produzida entre 1990 e 2022.

Processos intensivos em óxido nitroso (N2O), como a fabricação de ácido nítrico e ácido adípico, também são monitorados com alto grau de detalhe. Em plantas que implementaram projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), medições contínuas permitiram reduzir fatores de emissão, por exemplo, de 6,01 kg N2O por tonelada de ácido nítrico para 0,52 kg N2O/t após adoção de tecnologias de controle, mostrando como a mensuração fina das emissões induz melhorias tecnológicas.

Petroquímica e gases industriais: CO2, CH4 e precursores

Na cadeia petroquímica, o relatório consolida fatores de emissão específicos para insumos estratégicos como metanol, eteno (etileno), dicloroetano, cloreto de vinila, óxido de eteno, acrilonitrila e negro de fumo, entre outros. Esses fatores cobrem emissões de CO2 e CH4 diretamente associadas ao processo, além de gases precursores como NOx, CO e NMVOC, importantes para a gestão da qualidade do ar.

O NIR mostra, por exemplo, que a produção de eteno no Brasil teve a passagem de um perfil baseado exclusivamente em nafta para incluir gás natural e, mais recentemente, etanol como matéria-prima, o que exige atualização contínua dos fatores de emissão usados nos cálculos. Em negro de fumo, um produto chave para pneus e tintas, a estimativa utiliza fatores padrão como 2,62 toneladas de CO2 por tonelada de produto e 0,06 kg de CH4 por tonelada, evidenciando a importância de estimar também gases precursores em processos de queima e oxidação parcial.

Metalurgia: aço, ferroligas e alumínio sob lupa

Na indústria do aço, o inventário distingue entre usinas integradas e usinas dedicadas de ferro-gusa, monitorando emissões ligadas ao uso de coque, carvão vegetal, gases de alto-forno e de aciaria. Os dados de produção de aço bruto, consumo de gases e produção de sínter alimentam equações específicas, e uma parte das emissões associadas às coquerias é alocada ao setor de energia, com a diferença reconciliada no IPPU, o que mostra o cuidado metodológico na contabilidade.

Para ferroligas, o relatório utiliza fatores de emissão por tipo de redutor (coque de petróleo, carvão mineral, carvão vegetal) e dados detalhados de produção por liga à base de manganês, silício, cromo, níquel e nióbio. Já no alumínio, um dos casos mais avançados de monitoramento, o NIR 2024 combina abordagens Tier 1, 2 e 3 para estimar emissões de CO2 dos ânodos e pasta Soderberg e de PFCs (CF4 e C2F6) gerados durante o efeito anódico, usando dados de produção por tecnologia (Soderberg e Prebaked Anode) e parâmetros medidos de duração e frequência dos eventos em cada planta.

Efluentes industriais e emissões de metano e N2O

O relatório também aborda o monitoramento de emissões atmosféricas associadas ao tratamento e descarte de efluentes industriais, enquadradas no subsetor Tratamento e Despejo de Águas Residuárias (5.D.2). Nove cadeias industriais de maior carga orgânica – como açúcar, álcool, celulose, cerveja e abates de aves, bovinos e suínos – têm sua produção anual convertida em carga de DQO e DBO, que alimenta o cálculo do metano gerado em sistemas anaeróbios, reatores, lagoas e lançamentos em corpos d’água.

O NIR 2024 explicita fatores de correção de metano (MCF) para cada tipo de tratamento, bem como premissas para lodo, recuperação de gás e uso de reatores com queima parcial do CH4. Com isso, as emissões de CH4 dos efluentes industriais são estimadas com maior consistência, e o relatório fornece um plano de melhoria que prevê parcerias com instituições públicas e privadas para refinar dados e abordar melhor o desempenho real de sistemas anaeróbios por setor industrial.

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Qualidade dos dados e plano de melhoria contínua

Um eixo central do NIR 2024 é a ênfase em garantia e controle de qualidade (QA/QC), em linha com o Volume 1, Capítulo 6 das Diretrizes do IPCC. O relatório registra revisões de séries históricas sempre que novas bases setoriais são disponibilizadas, como no caso da atualização de dados de produção de amônia, ureia, ácido nítrico, petroquímicos, negro de fumo e outros produtos químicos fornecidos por Abiquim, IBGE, EPE e demais entidades.

Ao final, o documento propõe um plano de melhoria que inclui aprofundar a desagregação de dados industriais, alinhar métricas com sistemas de informação nacionais (como SNIS e IBGE) e ampliar acordos de cooperação técnica para obter dados mais granulares diretamente das plantas. Dessa forma, o monitoramento das emissões atmosféricas na indústria não é apresentado como um produto estático, mas como um sistema em evolução, que adapta metodologias, incorpora medições e oferece uma visão cada vez mais precisa da pegada climática industrial brasileira.

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Amanda Alves é graduada, especialista e mestre em artes visuais pela UEMG e atua como consultora na área. Atualmente, cursa Jornalismo e escreve sobre Cultura e Indústria no portal da Itatiaia. Apaixonada por cultura pop, fotografia e cinema, Amanda é mãe do Joaquim.

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