O Instituto Inhotim, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, inaugurou uma exposição do artista guatemalteco Edgar Calel e de sua família que vai além da arte e se transforma em um ato cultural e espiritual. A mostra propõe um encontro entre vida, território e criação — conceitos inseparáveis para o artista, que vê em sua terra natal parte essencial de sua obra.
A exposição ''Ru Jub’ulik Achik – Aromas de um Sonho’’ convida o público a caminhar por um espaço com obras feitas de folhas, pedras, madeira e terra, materiais que contam histórias e refletem o modo de ver os povos originários.
“Quanto mais harmonizados estamos, entendemos que não estamos sozinhos, que estamos rodeados de vida”, afirma Calel, em coletiva de imprensa no último sábado (18), quando a exposição foi aberta ao público.
Considerada a maior exposição já feita por Edgar Calel, a mostra, que propõe “um abraço de amizade” entre a Guatemala e o Brasil, é resultado de quase dois anos de conversa com a equipe do Inhotim.
“Através das obras, somos convidados a conhecer a Guatemala — ou melhor, as Guatemalas — pelas mãos desse pensamento, desse saber que está por trás de cada criação.
E isso também é um pouco do Brasil, não é? Um Brasil que está sendo, que está construindo a memória da Guatemala. É como um abraço de amizade, de conhecimento e de pura colaboração”, disse o artista.
Como o encontro começou
Segundo a curadoria do Inhotim, Beatriz Lemos, Edgar Calel já era um nome que estava no radar do instituto. Um dos pontos centrais do processo, segundo a curadora, foi o deslocamento da equipe até a Guatemala. “Se vamos trabalhar com um artista cujo território é a própria obra, não tem como não ir até lá e ser afetado por esse território. É preciso entender, sentir na pele, no corpo, esse encontro cultural e conviver com a família dele.”
abertura da exposição “Ru Jub’ulik Achik’ – Aromas de um sonho”, do artista guatemalteco Edgar Calel
A ideia era desenvolver o trabalho de forma lenta e coerente com o próprio ritmo do artista. “Desde o início, provocamos o Calel a pensar em uma mostra praticamente toda feita aqui, no Inhotim. Queríamos que ele estivesse conosco”, contou Beatriz.
Vida e arte
Edgar Calel esteve no Brasil pela primeira vez em 2011, quando visitou o Inhotim, experiência que ele descreve como um marco em sua trajetória. Mais de uma década depois, o artista retornou ao instituto em julho de 2024 para planejar sua nova exposição e conhecer a região de Brumadinho.
Na última semana daquele mês, voltou ao local acompanhado dos irmãos Júlio, Pedro e Elsa, com quem permaneceu por cerca de 40 dias, período dedicado à produção das obras que compõem a mostra.
“A ideia de ter trazido a família para construir junto com ele foi algo muito simbólico, especialmente depois de tanto tempo trabalhando longe deles e sentindo essa falta. Foi a primeira vez que os pais vieram — a primeira vez que a mãe viajou de avião, a primeira vez que saiu da Guatemala. Isso torna tudo muito simbólico”, disse a curadora.
O artista trabalha sempre em conjunto com a família, formada por 17 pessoas que dividem funções entre agricultura, comércio e arte. “Tudo que é construído deve ser feito coletivamente. Como se constrói uma amizade”, diz Calel. “Nós organizamos o trabalho com a nossa família, distribuímos as funções. Quando uma pessoa precisa descansar, ela descansa.” Segundo o artista, “as decisões e saberes é do pai e da mãe”, que se reúnem e, em rituais, pedem aos deuses permissão para cada projeto.
A exposição, que fica na Galeria Lago, reúne obras inéditas, remontagens e refações de trabalhos anteriores. “Algumas obras existiam apenas como projeto ou ideia e foram realizadas aqui. Outras foram refeitas no Brasil. Também há uma série fotográfica feita a partir da seleção de imagens do arquivo pessoal do artista”, explicou Beatriz.
Abertura da exposição “Ru Jub’ulik Achik’ – Aromas de um sonho”, do artista guatemalteco Edgar Calel
Ele diz que a exposição é “um Brasil que está sendo, está construindo a memória da Guatemala. Então é como se fosse um abraço de amizade, de conhecimento e de pura colaboração.”
A mostra de longa duração fica em cartaz até 2027.
Quem é Edgar Calel
Edgar Calel nasceu em San Juan Comalapa, na Guatemala, em 1987. É descendente do povo Maia Kaqchikel e vem de uma família de artistas e artesãos. Formado pela Escuela Nacional de Arte Rafael Rodríguez Padilla, trabalha com desenho, pintura, escultura, bordado, fotografia, instalação, performance, vídeo e poesia.
Sua arte mistura memória, palavra e símbolos para falar sobre espiritualidade, ancestralidade e também sobre o enfrentamento ao racismo e à herança colonial. Calel já expôs em vários países e tem uma relação próxima com o Brasil desde 2011.