Um dos maiores desafios da vida é saber o que a gente “quer”. E isso começa na infância. Quem tem a experiência de cuidar de uma criança sabe como é uma luta ajudá-la a dizer o que ela quer. Primeiro vem o “resmungo”, o “gesto do dedo, a “fala”, isto é, o estabelecimento da relação entre a coisa e o que a representa (água, doce, colo...). Depois a criança deve aprender a discernir se o que deseja é algo bom ou não. O próximo passo é ainda mais desafiante: ensinar a alguém, que acabou de chegar a este mundo, que há uma diferença entre desejo e necessidade. Tem coisas que a gente quer, mas não nos cabe, tem coisas que a gente deseja, mas não é para agora...
Assista no YouTube
O “querer”, “o desejo” continua sendo o grande enigma da vida adulta. Afinal, a gente cresce, mas a vontade permanece sendo, dentro de nós, como uma criança, quer tudo o que não alcança e quando alcança não quer mais. A “realização” tende a ser a morte do desejo já que, não raro, nos apaixonamos por coisas e pessoas ideais e, na medida em que as conquistamos, já não as queremos mais.
Em tempos como os nossos, em que tudo é estímulo (comprar, comer, consumir...) a gente corre o risco de quase nunca saber o que realmente “quer”. Eu diria que o querer é tanto menos saudável quanto menos temos consciência do “eu” que existe e persiste por detrás daquilo que a gente quer ter. Explico: quanta falta de amor-próprio existe por detrás de relacionamentos vazios? Quanta ansiedade existe por detrás do cartão de crédito estourado? Quanto do que a gente faz não ter a ver com gatilhos emocionais que nos levam a dar respostas automáticas?
Se não sei quem sou, por detrás daquilo que eu desejo, aquilo que desejo me desfaz. Como nos faz notar Schopenhauer, o desejo nos humilha de duas formas: quando alcançamos aquilo que a gente deseja e quando a gente não alcança. Traduzindo: todo desejo realizado está aquém daquilo a gente idealizou, assim como, a gente tende a idealizar coisas que não viveu, pois tudo que está no mundo dos “sonhos” não decepciona, não estraga, não ronca, entende?
É nessa perspectiva que gosto de ler a passagem em que Jesus pergunta ao cego: “que queres que te faça?” (Mc 10, 51). Em sendo o que pede, Bartimeu deve elaborar seu desejo. A cura trazida por Jesus pressupõe que ele se perceba como indivíduo, que compareça diante daquilo que lhe falta, que confesse sua fé. Em sendo aquele que pode curar, o Cristo não impõe sua Graça, mas pergunta. O amor nunca se impõe, mas é proposta.
A pergunta de Jesus a Bartimeu se atualiza em nossa vida. Ela provoca a estarmos diante de nós a nos conectar com nossa essência. Ao conhecermos a nós mesmos, evitamos cair nas armadilhas dos desejos efêmeros e superficiais, podemos discernir entre o que é importante e significativo em nossas vidas e o que é apenas uma busca vazia pelo imediato.
Peça ao Espírito Santo auxílio para guiar melhor suas energias e seus esforços na direção de bons propósitos, daquilo que traz felicidade duradoura e realização pessoal. Ah, e, sobretudo, a partir da resposta do cego Bartimeu: “Senhor, que eu veja”, se pergunte se você se dispõe realmente a desistir daquilo que te adoece e está te impedindo de seguir...