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O inferno é o outro

Como lidar com a expectativa que temos no outro

Como lidar com a expectativa que temos no outro

Em uma de suas peças, Sartre, coloca nos lábios de uma personagem de sua Peça “Entre quatro-paredes” a célebre frase: “o inferno são os outros”. Não dá para passar ileso ao impacto de uma frase como essas. Ela deixa muito pouco à imaginação.

Sua sinceridade nos leva àquele lugar comum em que, diariamente, nosso marido ou esposa, nossa chefe, nossos filhos atravessam o universo de nossas expectativas.

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Quem vem a nós com sua demanda, sua carência, sua interdição nos recorda que somos seres que precisam de relações, não nascemos para estar sós (Gn 2, 18), devemos amor uns aos outros (Rm 13,8), mas na prática: ‘Ai, que chatice...”.

Afinal, como lidar com o fato de que existe um outro para além do “eu”? Que aquela que é diferente de mim tem direito de ser, de pensar, de existir? Como podemos conviver bem?

Bom, primeiro vamos começar de onde o “trem descarrilha”. Se vamos ao livro dos Gênesis (Gn 11), no episódio de Babel, a gente que quando estamos cheios de nós mesmo, não há consenso. A exigência fundamental para qualquer relacionamento é que a gente se escute. Para construir algo a dois, junto, o outro deve vir a nós, naquilo que é, em sua verdade. É preciso deixar que ele venha a nós no seu dizer, nas suas questões. Nenhuma relação dá certo se a gente é ensurdecido pelas próprias certezas. Lá onde não há escuta, estamos em Babel. Na incapacidade de ouvir o amor pede licença e vai embora...

O caminho oposto ao de Babel é o de Pentecostes. O Espírito Santo - se deixamos que ele haja em nós - cria a possibilidade do diálogo. Permite que os diferentes se escutem (At 2,7). O Espírito ajuda a perceber que a diversidade é dom, que sendo muitos e múltiplos (1 Cor 12,12), a gente deve abrir mão do “eu”, em favor de um “nós”.

Certamente qualquer relação é uma aventura. Não há nada de romântico, na maior parte das vezes, na convivência diária. Uma maneira de ficar mais fácil, diante de uma dificuldade de relacionamento é balizar os sentimentos sobre o “outro que é um inferno” com a pergunta: o que é que essa pessoa desperta em mim? De onde vem esse meu desejo de afirmar o quanto somos diferentes, o quanto essa pessoa não vê bem as coisas? Chegaremos, com essas perguntas e, na Graça do Espírito, a constatações muito importantes, não sobre o outro, a outra, mais sobre que dela pode estar morando dentro de nós...

Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.