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A maternidade é impossível?

Deus mesmo é o amor e a ternura, que deve traduzir-se no elance de afeto, de proteção e de cuidado que une uma mãe a seus filhos

O dia das mães será no próximo domingo, 14 de maio

A Bíblia é tecida a partir do encontro de anseios, de corações, de dores, de almas. Antes que livro, as Sagradas Escrituras são uma “experiência de encontro”, de diálogo, de ternura. Embora o Senhor não se deixe modelar segundo os caprichos, apesar de Deus não ser uma mera projeção dos desejos humanos - não admitindo nem mesmo fazer uma imagem Sua (Ex 20, 4) -, Ele escolhe se revelar sempre como um “tu”. Em sendo o Senhor, escolhe ser relação. Em sendo Todo-Poderoso (El Shadday), revela-se nos anseios e dores dos Patriarcas das Matriarcas, os quais faz serem seus amigos (Is 41,8).

Entenda, a Bíblia é a tradução de um amor Pessoal, entre Deus e a Humanidade. E para tentar descrever, que Deus se comunica através do afeto (Dt 7,7), o Texto Sagrado se utiliza de várias imagens. Considerando que Israel deve, a partir do amor de Deus, fazer da dor, da angústia, do Exílio, um lugar de transformação, uma dessas “imagens” se destaca: a da Mãe.

É bela a expressão do cáp. 32 do Dt: “como a águia, esvoaçando sobre o ninho, incita seus filhotes e voar, ele estendeu suas asas e o tomou, e levou-o carregado sobre elas”. Expressão parecida se encontra em Mt 23,37, quando o Cristo traduz seu afeto como o de uma galinha, que, com cuidado materno, reúne os pintinhos de baixo de suas asas para lhes dar proteção. E é, nessa perspectiva, que o profeta Isaías (49,15) diz: “A mulher será capaz de se esquecer, ou deixar de amar algum dos filhos que gerou? E se existir acaso tal mulher, jamais me esquecerei de ti.”

Estamos próximos do Dia das Mães. Essa data mais ou menos sequestrada pelo Instagram e pelo comércio. Todavia, para nós, os cristãos, a maternidade é uma vocação. Deus mesmo é o amor e a ternura, que deve traduzir-se no elance de afeto, de proteção e de cuidado que une uma mãe a seus filhos. Deus é Aquele que não se esquece, como as mães não se esquecem (Is 49,15). Deus é Aquele que não dorme, nem cochila (Sl 121, 4), assim como milhares de mães, desde o início imemorial da humanidade têm para com os filhos um amor que nunca se cansa.

Deus é Pai, que ama com amor de Mãe. Ama com-paixão, com ternura (Dt 7,7), ama por loucura (1 Cor 1,18-31), ama a partir das entranhas... (Ex 33,6). Basta pensar: no hebraico, “misericórdia”, que é um dos nomes de Deus, é Rahamim, isto é, as entranhas, o útero da mulher. Nos arriscamos a dizer, portanto, que o amor de Mãe é tão único, tão genuíno, que se pode ser divino.

E quero dizer aqui, que esse amor não é romance. Em sendo incondicional, o amor de mãe tem seus limites. Se você é mãe, ou conhece uma, sabe bem que é uma ilusão querer dar “tudo”. Esse “tudo’ é impossível. Sempre há coisas que uma mãe não pode fazer. Os filhos vão se mostrando pouco a pouco mais do que uma extensão dos desejos maternos, mais do que a soma do que se vê. Por mais que uma mãe se desgaste pelos filhos, a maternidade é uma aposta. Só o tempo dirá quais são os frutos, ou não, de tanto esforço...

A certeza, ao final, é de falhar terrivelmente... Todo mundo um dia, tem que ir ao bar ou à terapia para falar de uma mãe que se ausentou, que não está aqui mais, e isso dói, ou que “cuidou” demais e com excesso. É isso, a maternidade, em sendo reflexo do amor de Deus, é transpiração e desafio. Celebremos mais uma vez, esse amor tão humano e divino! Nossos lábios, nossa alma, nossas orações se revistam de gratidão. As mães, cuja dor é dar parte do corpo para conceber e, ao longo da vida, parte da alma para cuidar, merecem o mundo! Celebremos mais uma vez, esse amor tão humano e divino... Neste mundo de cobranças e ansiedades, de família versus trabalho, profissão “barra” fecundidade; “ai meu Deus, segura esse menino!”, a maternidade é impossível. Se bem que com Deus e “para Deus, nada é impossível...” Lc 1,37.

Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.