Ouvindo...

Não há nenhum caminho isento de chorar

Troque no dicionário da sua vida a palavra “decepção” pela “esperança”

Somos feitos, por grandeza ou por defeito, inquietos

O nosso coração vive de procura. Somos feitos, por grandeza ou por defeito, inquietos. Como nos, poetiza Milton Nascimento, “por tanto amor, por tanta emoção, a vida nos fez assim; doce ou atroz, manso ou feroz, eu caçador de mim”. É por isso que uma das grandes metáforas da vida, é o caminho. Se observamos bem, a Bíblia está o tempo todo insistindo na saída, no êxodo, na marcha, no caminho. Abrão deve sair da terra, da parentela da casa, deve viver uma erradicação de si mesmo para desfrutar da promessa (Gn 12, 1-3). Moisés deve conduzir os filhos dos hebreus das garras do Faraó, para uma experiência de liberdade. O povo deve, depois do Exílio da Babilônia, que é sofrimento-convite à transformação interior, deixar as cinzas, as lágrimas e luto, e tomar posse do óleo da alegria (Is 61,1-3). Como humanos, estamos exilados neste mundo. Não há bem, lugar, peito que possa nos “caber”. Pela fé, estamos à procura de nós, dos sonhos que se realizarão na cidade que há de vir (Hb 11,16).

É sabendo deste gosto do coração humano por “peregrinação” e por “procura” que o Evangelho de Lucas fala que o Ressuscitado encontra seus discípulos num “caminho”. Perceba, a cruz de Jesus foi um escândalo para os seus seguidores. A aparente derrota do Calvário cega os discípulos (Lc 24, 16). Dizem por aí, que o amor é cego, mas na verdade, não é o amor que não vê, mas é a paixão. Nossas ilusões nos cegam, nossas idealizações nos cegam, nossas expectativas nos cegam. Como costumo dizer, a expectativa tem uma filha, que é a decepção.

A reivindicação dos discípulos de Emaús, no caminho, é: “nós esperávamos” (Lc 24, 21). Você já parou para pensar quantas vezes uma “expectativa” lhe impede de enxergar novas possibilidades? Já percebeu o quanto o tempo que gastamos remoendo o passado nos impede de ver que não temos que ficar a vida dando lugar de honra a quem ou àquilo que deu errado? Já viu que temos uma mania de ficar remoendo o que não foi, o que poderia ter sido. Compomos todos os dias uma nova página do romance “humilhados, decepcionados e ofendidos.”

Perceba, não é que não existam as dores. Como nos lembra Flávia Venceslau, “não há nenhum caminho isento de chorar”. O caminho da vida compreende seus encontros e desencontros. Há momentos em que falta força para continuar seguindo. Ninguém da conta de estar entusiasmado o tempo todo, de ser bom o tempo todo, de sorrir o tempo todo. E é isso e está tudo bem. Quando Jesus, diz aos discípulos de Emaús, no caminho, “como sois lentos...Não era necessário que o Cristo sofresse para entrar em sua glória?” (Lc 24,25), ele está dizendo o óbvio: sem sofrimentos, não há vitória.

Lembre-se das Palavras do Apóstolo: “em tudo somos atribulados, mas não abatidos, postos em apuros, mas não desesperançados; derrubados, mas não aniquilados” (2 Cor 4, 8-9). Troque no dicionário da sua vida a palavra “decepção” pela “esperança”. No caminho, elimine a conjugação do verbo “expectar”, pelo “esperançar”. Assim como em Emaús, no caminho, o Ressuscitado lhe ensinará que se a dor é inevitável, não ressignificar o sofrimento é opcional.

Assim, como aos discípulos que caminham de noite para Emáus: no entardecer de alguma realidade ou expectativa, deixe brilhar em sua vida a luz daquele que, morto, vive e reina para sempre; quando algo em sua vida parecer morrer, agarre-se ao Deus-vivo-e-verdadeiro. Ficar preso às próprias cegueiras e às próprias rotas é “descaminho”. Cristo é Pastor e Guia! Não se desespere quando algo der errado. O Ressuscitado está aí. Passemos da Profecia à poesia de Antônio Machado: caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar...

Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.