A escuta é a exigência fundamental das relações. Sem ter tempo para permitir que o outro nos habite, com aquilo que ele diz, nenhuma relação é possível. A incapacidade de escutar é sempre o indício da falência de um relacionamento. Costumo dizer que lá onde não existe a capacidade de escutar o amor já pediu licença e foi embora.
Eis o primeiro mandamento da Lei de Deus no Antigo Testamento: “Escuta, ó Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um. Amarás o Senhor...”. Observe, a escuta é o primeiro passo na relação com Deus. É preciso, portanto, ter espaço durante o dia para que ele nos devolva a nós. Isso, porque, nossas palavras internas nos sequestram de nós: nossa, mas só isso? Mas e esse cabelo? E essa foto? Mas e amanhã? Já fala inglês, já tem MBA...?
A escuta do Senhor é importante, antes de tudo, porque Ele é “um”. Ele é o "único” que traz a paz a nós que somos sempre múltiplos. Basta você pensar na quantidade de coisas de que tem que dar conta durante um dia. São muitas vozes, muitas exigências. Isso nos enlouquece. A vida exige escuta do “dizer de Deus”, sem o qual ficamos fora do “eixo”.
Nada mais humano do que estar perdido em meio a muitas vozes. Habita em nós a dor de Fernando Pessoa (Ricardo Reis), que diz: “vivem em mim inúmeros”. Portanto, é preciso escutar Aquele que é o "único”, pois do contrário sofremos nos perdendo nos “muitos” que nos habitam. Afinal, não seria essa ansiedade, aí e aqui, um sintoma de vozes em disputa, dentro de nós?
Tudo isso nos faz pensar o quanto a escuta de si mesmo é uma experiência cada vez mais rara. Estamos ocupados o tempo todo com coisas a fazer, opiniões a dar. E quando é que há tempo para nos devolvermos a nós? Você saberia dizer quem é a pessoa por detrás daquilo que você escreve e diz? Quanto de suas expectativas, seus medos, seus traumas não têm a ver com a negligência da escuta de si mesmo? Quem não se escuta não se percebe, tenderá delegar a outra pessoa uma afirmação de si. Quem não escuta a si mesmo se desconhece e, por isso, se deixará perder diante de uma palavra de ofensa, ou mesmo, por insegurança estará sempre condenado a viver buscando elogios. Isso para quem sabe, uma formulação externa, seja a escora para as dúvidas internas sobre si, sobre suas resoluções, sobre suas qualidades.
Sem tempo para escutar os outros, não há diálogo. Quem é ensurdecido pelas próprias certas não reflete ou interage, mas apenas julga, condena, adjetiva. A escuta daqueles com quem nos relacionamos certamente impõe suas dores. O outro, naquilo que diz, é espelho da minha fraqueza. Todavia, na acolhida daquilo que ele me diz, do divergente e do conflitante, pode surgir o complemento, a soma. Eu sei, a escuta, num primeiro momento empobrece. É muito difícil se esvaziar das próprias certezas. Mas se a gente se esforça um pouco, quem sabe não encontra naquilo que o outro nos diz (seja bom de escutar, ou nem tanto assim), menos de “eu” um pouco de “nós”?
A escuta é uma exigência fundamental da relação com Deus. Se não escutamos a Jesus, Aquele que é “um” e cuja Palavra é única, daremos ouvidos a outros “mestres”. Esses são sempre portadores de palavras enganadoras (2 Tm 4,3). Como ovelhas ao Pastor, nossa relação com o Deus verdadeiro depende da escuta do Cristo (Jo 10, 1-18).
A escuta é uma exigência fundamental da nossa relação com os outros. Dar ao outro, naquilo que ele está dizendo, o privilégio da atenção deve ser um compromisso diário. A escuta que fazemos da Palavra de Deus nos ajudará a perceber que um dos ecos dessa “Palavra” está na vida de cada pessoa com quem cruzamos no dia a dia. Ainda que, por seus avessos, com melodias hora desafinadas, importa pensar que o “outro” tem algo a dizer, que é um ato de amor, é um ofício sagrado, dar-lhe um pouco atenção. Afinal, quem de nós não gosta de ser ouvido?
O amor começa na escuta. Parafraseando Jesus: Escutarás a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como desejas que escutem a ti mesmo. Nisso consiste a Lei e os Profetas...
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