A delegada Elyenni Célida, da Delegacia Especializada de Defesa do Consumidor, informou nesta quarta-feira (27) que o casal Fernanda Isabella de Morais Nogueira, de 23 anos, e José Vitor Carrilho Reis, de 24, convive com sequelas graves em razão da intoxicação causada pela ingestão de uma torta de frango. O quadro dos jovens foi passado durante coletiva de imprensa na qual a Polícia Civil detalhou o indiciamento do padeiro e do dono do estabelecimento onde a família comprou o salgado, no bairro Serrano, região da Pampulha de Belo Horizonte, em abril deste ano.
A investigação apontou
Além dos jovens, a idosa Cleuza Maria de Jesus Dias, 75 anos, tia de Fernanda, comeu o salgado e morreu após ficar mais de um mês internada em hum hospital particular da capital mineira.
“O casal que sobreviveu, ambos foram ouvidos na delegacia, apresenta dificuldade de visão — principalmente o rapaz, que teve a visão mais comprometida —, além de dificuldades neurológicas, relacionadas à coordenação motora, especialmente a coordenação motora fina. Eles também enfrentam dificuldade para caminhar e para desempenhar as atividades diárias”, disse a delegada.
A reportagem da Itatiaia tentou conversar com as vítimas desde o começo do caso, mas a família sempre recusou.
Já defesa do padeiro informou, em nota enviada pelo advogado Magno Dantas, que o cliente não tinha qualquer controle sobre a padaria, onde trabalhou por apenas cinco dias.
"É impossível não reconhecer a dor da família que perdeu um ente querido e a difícil situação das pessoas que ainda sofrem com sequelas. Nosso cliente se solidariza sinceramente com todos que foram afetados por essa tragédia. No entanto, é preciso esclarecer que o senhor Ronaldo é um trabalhador humilde, recém-contratado, sem carteira assinada, sem qualquer autonomia sobre a estrutura ou as condições de funcionamento da padaria, que sequer possuía licenças ou alvarás. Sua função se limitava ao preparo dos alimentos, confiando que o ambiente oferecido por seus empregadores era adequado. Imputar a ele a responsabilidade por falhas graves e antigas do estabelecimento é injusto e desproporcional. Estamos convictos de que, no curso do processo judicial, ficará provado que ele não contribuiu para o resultado trágico e que sua dignidade será preservada”, informa.
A reportagem tenta contato com o dono da padaria.
A delegada chamou a atenção para as condições em que os alimentos eram produzidos, armazenados e comercializados. “Havia muitas irregularidades: alimentos não estavam devidamente acondicionados, havia mistura de produtos crus com prontos, recipientes destampados e ausência de refrigeração adequada”, destacou.
Veja o tudo que a investigação concluiu
- A investigação concluiu que houve uma intoxicação pela toxina botulínica
- A toxina era proveniente de uma bactéria e afetou a senhora de 75 anos e o casal de 23 e 24 anos
- A intoxicação foi causada pela ingestão de uma torta de frango adquirida no mesmo dia, que estava imprópria para consumo
Condições da padaria
- A padaria operava em condições impróprias para a produção, armazenamento e venda de alimentos
- Havia muitos alimentos não devidamente acondicionados, com alimentos crus e fabricados misturados, destampados, e sem refrigeração adequada
- A falta de respeito e cuidado com o local que vende alimentos foi destacada
- O estabelecimento não possuía as devidas licenças e alvará de funcionamento
Padrão de produção e contaminação
- As tortas eram fabricadas em lotes de aproximadamente 30 unidades por fornada, e podiam ser vendidas cruas, congeladas ou pré-assadas
- Uma torta contaminada não implicava que todas as outras estivessem, pois eram unidades separadas
- A investigação apontou a ocorrência de contaminação cruzada, onde um alimento contaminado pode facilmente transferir bactérias ou microrganismos para outros alimentos através do contato no freezer, utensílios (tábuas, facas), ou falta de higienização
Funcionários e contratação
- A contratação de funcionários era irregular, muitos trabalhavam há pouco tempo (um mês, 20 dias, ou no caso de quem produziu a torta, cerca de 5 dias)
- Não havia registro formal (carteira assinada), indicando uma condição totalmente irregular
- A padaria sequer sabia da qualificação do próprio padeiro, nem informações como onde morava ou nome completo
Metodologia da investigação
- A investigação foi muito complexa, durando cerca de 4 meses
- Baseou-se em laudos, aproximadamente 22 oitivas, relatórios médicos, uma junta médica, vigilância epidemiológica, e órgãos como o Ministério da Saúde e a Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais
- O critério decisivo para a conclusão da contaminação foi clínico epidemiológico, observando os sintomas das três vítimas, que foram as únicas pessoas a ingerir o alimento naquela casa
- É importante notar que os alimentos consumidos pelas vítimas não passaram por análise direta, pois a torta foi adquirida e devolvida rapidamente após o casal perceber os sintomas, ficando cerca de 20 minutos na casa das vítimas
Indiciamentos e crimes
- Foram indiciados o proprietário da padaria e o padeiro
- Lesão corporal culposa (sem a intenção de produzir a lesão)
- Homicídio culposo (sem a intenção de matar)
- Crime de produto impróprio para consumo
Relembre o caso
No dia 21 de abril deste ano, Fernanda Isabella e José Vitor, que são de Sete Lagoas, na Região Central de Minas, compraram a torta de frango na padaria Natália, localizada no bairro Serrano, na Pampulha, em Belo Horizonte, e levaram o alimento para a casa de Cleuza Maria.
Os três chegaram a ingerir parte do salgado, mas perceberam que o alimento estava estragado, voltaram à padaria e devolveram a torta.
No dia seguinte, os três passaram mal e foram internados em estado grave.
A padaria, que funcionava sem alvará sanitário, foi interditada pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Na época, o proprietário e o padeiro foram ouvidos e liberados pela Polícia Civil.