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Jovens trocam boates por lugares abertos e paquera corpo-a-corpo por redes sociais

Motivos vão desde condições do mercado macroeconômico, que encarece a vida noturna para quem tem entre 18 e 25 anos, até à formação psicológica da nova geração

Boates não estão mais na mira dos jovens da geração Z

Enquanto as boates eram o ponto de encontro dos jovens na década passada em Belo Horizonte, bares em locais abertos e rolês mais cedo na cidade parecem ter tomado conta do imaginário – e do cotidiano – dos mais novos, especialmente da Geração Z, na capital mineira. Os motivos vão desde condições do mercado macroeconômico, que encarece a vida noturna para quem tem entre 18 e 25 anos, até à formação psicológica da nova geração, que costuma preferir lugares mais baratos e com maiores possibilidades de conexão com os ambientes virtuais.

Na capital, de acordo com o influenciador digital do “Um Bar por Semana”, Pedro Costa, a preferência é por rolês mais baratos, em lugares abertos, geralmente com destaque para os botecos em que se fica em pé, e para eventos gratuitos, muito na esteira do que se tornou o Carnaval em Belo Horizonte. A nova geração, de acordo com Costa, se preocupa mais com a saúde e com as finanças e não “dá um jeitinho” de prolongar o rolê “no crédito” depois que a grana aperta, como faziam os Millennials.

“Quando está sem grana fica em casa, faz um rolê na casa dos amigos, acaba sendo mais comum. Vemos uma diferença muito grande no público mais jovem em bares entre os dias 1 e 15 do mês (quando o salário costuma cair na conta) do que no fim do mês, o que não acontecia antes”, comenta o influenciador. A preferência por drinks prontos, como o Xeque Mate e o Lambe Lambe, e os “copões” de bebida também é um diferencial da faixa etária entre 18 e 25 anos, de acordo com Pedro. O jovem também quer “ver e ser visto” e se relacionar com mais pessoas, reforça o influenciador. Por isso, a preferência por espaços onde se fica em pé e reunido.

“Baladas começando às 23h não são tão interessantes para essa geração”, pontua Costa. Principalmente, pelo encarecimento dos preços, que costumam ter, hoje, um tíquete médio em torno de R$ 200, o que torna os rolês quase proibitivos para quem, normalmente, ainda não tem uma vida financeira tão estável. “Movimentos de rua cresceram de maneira significativa, opções gratuitas de rolê na rua também, assim como eventos à tarde”, completa.

Relacionamentos digitais, baladas em baixa

O administrador público Felipe Chaves, de 25 anos, comenta que as baladas estão em baixa na sua geração. “Sou uma pessoa mais animada do que as pessoas da minha idade, mas ultimamente ir em baladas, casas noturnas, é mais quando tem uma festa específica, não é ir em uma balada tal”, explica.

O rolê é mais focado em eventos, com foco em festas definidas do que necessariamente no espaço. Ele também ressalta uma preferência por “coisas mais espontâneas”, e cita espaços como o Mercado Novo, o Forno da Saudade e eventos de música eletrônica como lugares que costuma frequentar. A paquera, conta, é principalmente ligada ao mundo virtual e é quase impossível se relacionar com alguém que não se tenha, de alguma forma, algum conhecimento prévio.

“É difícil não encontrar alguém que você não tinha conhecimento. Aplicativos estão bem intrínseco nisso. No mundo gay as pessoas já se conhecem um pouco, é lógico, mas Tinder e Instagram estão em alta. Dar em cima no Instagram é uma prática muito comum”, brinca Felipe.

Forma diferente de pensar

A professora da PUC Minas e doutora em psicologia Fernanda Carvalho avalia que as relações das novas gerações, especialmente a partir da geração Z, passam por uma nova forma de pensar a vida que é intermediada pelas tecnologias digitais. Com isso, elementos da vida social, econômica, afetiva, familiar, educacional, etc., são transformados por intermédio da tecnologia.

“A internet passa a ser uma parte muito real da vida. Essa ideia de separação do que é virtual e do que é real que se via em outras gerações a gente não encontra mais. Acaba impactando todos esses momentos da vida. Especialmente, na parte da paquera. É até difícil comparar com outras gerações porque são experiências que nunca se viveu antes”, destaca a professora.

A vida “virtualizada” das novas gerações interpõem, contudo, intensidades parecidas com a que outras gerações viviam, mesmo que descritas em novas formas. “São novas subjetividades. Essas novas relações vão produzindo maneiras desses jovens se relacionarem até consigo mesmo. De construir como eles são. O que acontece é que para eles não há uma separação entre o real e o virtual. Vivem experiências de afeto, de paixão, da mesma forma como se vivia no presencial, mas intermediadas pelas telas. Os meninos e meninas amam mesmo, se apaixonam, muitas vezes por pessoas que nunca viram pessoalmente, mas que estão conversando há muitos anos”, completa a psicóloga.

Fernanda afirma ainda que os rolês dessa geração são mais intermediados por questões econômicas e sociais do que, necessariamente, por questões psicológicas. “O movimento de se encontrar permanece, mas muitas vezes onde há uma possibilidade de se gastar ou não. Essa dimensão da realidade social e econômica é muito mais determinante para essas novas gerações do que fatores subjetivos. Tem uma condição real da experiência econômica que afeta tudo isso. Isso impacta na forma de se gastar dinheiro, e esbarra nas opções por bares, boates, ou espaços mais abertos, onde se gasta menos”, conclui.

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Jornalista pela UFMG, Lucas Negrisoli é editor de política. Tem experiência em coberturas de política, economia, tecnologia e trends. Tem passagens como repórter pelo jornal O Tempo e como editor pelo portal BHAZ. Foi agraciado com o prêmio CDL/BH em 2024.