Este ano, 68 meninas de até 13 anos procuraram a polícia para registrar um boletim de ocorrência de violência sexual em Belo Horizonte. Cinquenta e três crianças ficaram grávidas e procuram atendimento em alguma unidade de saúde da cidade. Neste mesmo período, os hospitais da capital mineira realizaram dois abortos legais.
Esses são dados divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde, coletados a partir do levantamento do Sistema Único de Saúde (SUS). O número corresponde ao número de meninas que procuraram atendimento pelo sistema público, na capital mineira, até o dia 31 de maio.
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A legislação brasileira (art. 217-A do Código Penal) considera como “estupro de vulnerável” qualquer conjunção carnal com menores de 14 anos, mas os dados mostram que a grande parte das meninas não o realiza.
“Nestes casos a presunção de violência é absoluta, sendo irrelevante eventual ‘consentimento’ da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agressor”, explicou Camila Rufato Duarte, advogada, ativista da causa feminista e cofundadora do projeto Direito Dela.
No ano passado, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, foram 261 casos registrados de abuso sexual. No mesmo período, 123 engravidaram e teriam o direito ao aborto legal, previsto por lei. Entretanto, apenas três garotas passaram pelo procedimento.
Em 2020, 247 garotas procuraram uma delegacia para denunciar um estupro. Dessas, pelo menos, 199 ficaram grávidas. A penas três abortaram.
Para Iara França Camargos, titular da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), questões culturais e burocracias explicariam o número de procedimentos.
“Percebo que, em muitos dos casos, questões culturais guiam essa decisão. São famílias religiosas, famílias que que acreditam que o aborto é incorreto ou imoral. Já as famílias que decidem pelo procedimento enfrentam um grande processo burocrático e demorado. Vejo , muitas vezes, como uma revitimização. Algumas desistem”, disse.
A advogada destaca que a realização do aborto deve ser realizada gratuitamente pelo SUS e não se condiciona à decisão judicial ou ao boletim de ocorrência policial. “Exigir a apresentação destes gera um constrangimento inaceitável para a vítima”, aponta.
Em 2019, apenas um procedimento foi feito. No mesmo período, 194 crianças e adolescentes com idade igual ou inferior a 14 anos foram atendidas. A administração municipal destaca que os dados incluem residentes e não residentes do município.
A delegada ainda destaca que as meninas dessa faixa são as maiores vítimas de estupro no Brasil. “Isso não é por acaso. Essas são vítimas mais fáceis de serem manipuladas. Trata-se de um crime que os abusadores usam da manipulação e do medo”, afirmou.
Legislação São três as situações em que o aborto é legalizado no Brasil. Além da gravidez que decorre do estupro, a intervenção pode ser realizada quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou o feto é anencéfalo.
“Os dois primeiros casos estão previstos no código penal art. 128 incisos I, II e o terceiro, anencefalia, é fruto da decisão de 2012 do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54”, explica a advogada.
No total, Belo Horizonte realizou este ano, até 31 de maio, 18 procedimentos.
No ano passado, foram 60, em 2020, 70 e, em 2019, 46.
O procedimento, para os casos previstos em lei, é realizado em sete maternidades que atendem pelo SUS-BH: Hospital das Clínicas, Hospital Odilon Behrens, Hospital Júlia Kubitschek, Maternidade Odete Valadares, Santa Casa de Belo Horizonte e Hospital Risoleta Tolentino Neves.
Segundo a prefeitura, essas instituições atendem aos critérios definidos pelo Ministério da Saúde e foram habilitadas pela esfera federal, para realizarem este tipo de atendimento.