Para o Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (Sindpol), o suicídio da escrivã Rafaela Drumond expôs a rotina de assédios moral e sexual enfrentada por policiais da corporação. Além disso, os servidores convivem com uma carga de trabalho excessiva, pressões psicológicas e têm a saúde mental negligenciada.
Segundo Wemerson Oliveira, presidente do Sindpol, apenas em 2023, seis policiais civis da ativa tiraram suas vidas. “Foram seis policiais, contando com a Rafaela. Além dos policiais em atividade, ainda tem os servidores aposentados, que não tem nenhum tipo de assistência depois que deixam a corporação. Não existe um levantamento de quantos se suicidaram, mas só que eu tenho conhecimento, foram três”, afirma.
Para ampliar o acesso dos policiais a serviços de assistência psicológica, o Sindpol se reuniu com deputados estaduais na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), no dia 10 de outubro. Os policiais cobraram o governo estadual para nomear mais psicólogos para a corporação.
Se a gente for falar em quantos psicólogos a Polícia Civil precisa, podemos estimar cerca de 200. Isso porque temos 69 delegacias da mulher no estado. Então, o número de psicólogos deveria ser pelo menos o dobro desse número para atender a população. Se a gente for contar com profissionais para atender os servidores também, podemos jogar esse número para uns 200.
Segundo os sindicalistas, atualmente existem apenas 11 psicólogos atuando no Hospital da Polícia Civil (HPC). Esses profissionais, juntamente com outros três policiais desviados para a função de psicólogo e três psiquiatras, são responsáveis pelos atendimentos de saúde mental da população e dos mais de 11,5 mil servidores.
Polícia Civil pede para que Governo de Minas nomeie os 366 psicólogos aprovados em concurso
O delegado Saulo de Tarso Gonçalves da Silva Castro, que representou a Chefia da Polícia Civil, afirmou que o último concurso teve 366 candidatos aprovados, mas que as nomeações precisam ser aprovadas pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag-MG).
O presidente do Sindpol afirma que ainda não há previsão para que elas aconteçam. “O governo do estado não conversa com a gente, não dão uma previsão. Toda vez que questionamos, eles afirmam que as nomeações esbarram na Lei de Responsabilidade Fiscal”, diz.
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Em nota enviada à Itatiaia, o Governo de Minas afirma que mantém o diálogo aberto com todas as categorias, “sempre levando em conta as necessidades dos servidores e o importante trabalho prestado por eles ao Estado”. Em relação às nomeações de excedentes e à realização de novos concursos, o governo afirma que as demandas estão em análise técnica pela área responsável da Seplag-MG.
Baixos salários afastam psicólogos da Polícia Civil
Além da nomeação, o secretário-geral dos Servidores Administrativos da Polícia Civil (Siapol), Gleisson Mauro de Souza Costa, afirmou que quando os candidatos são nomeados, muitos desistem da profissão devido aos baixos salários.
Foram nomeados 15 novos servidores, mas quatro não permaneceram na instituição. O que dificulta a retenção desses profissionais é a baixa remuneração. O salário-base para jornada de 40 horas semanais é de R$ 2.300.
Em nota, o Governo afirmou que embora deseje manter a recomposição salarial, essa definição “depende de equilíbrio financeiro que garanta a disponibilidade de recursos em caixa, sendo objeto de estudos permanentes por parte do Executivo”. Em 2022, o governo afirma que, após dez anos de congelamento de salários, autorizou a atualização de 10,06% nos vencimentos de todos os servidores do Executivo.
PC tem rotina de assédio moral e sexual
Wemerson ainda afirma que o baixo número de psicólogos não é o único problema da corporação. “Além da falta de psicólogos, também faltam investigadores. Era para a gente ter 11,3 mil investigadores, mas só temos seis mil. A falta de pessoal faz com que haja um excesso de trabalho. Esses seis mil têm que fazer o trabalho de 11", relata.
Na reunião na ALMG, a chefe do Setor de Psicologia da Academia de Polícia Civil (Acadepol), Tânia Maria Oliveira Alves, disse que os policiais civis estão desassistidos e abandonados pelo Estado. Para ela, entre os fatores para o adoecimento mental, estão a rotina de exposição à violência e agressão, abusos de autoridade e más condições de trabalho. Tânia ainda afirmou que há uma cultura organizacional que valoriza algumas carreiras em detrimento de outras, o que favorece o assédio moral no ambiente de trabalho.
Em concordância com a afirmação, o presidente do Sindpol diz que é preciso uma mudança na cultura da corporação. “Os colegas que estão doentes não procuram ajuda por medo de serem hostilizados. Tem uma crença de quem que vai ao psicólogo é doido ou fraco”, afirmou.
Durante a audiência do dia 10 de outubro, o perito Erick Souto Guimarães compartilhou o sofrimento vivido na corporação. Ele contou que se sentiu humilhado e estigmatizado por ter adoecido.
Eu me vi em um ambiente hostil, em que minha dor e minha vulnerabilidade eram exploradas.
Atualmente, o servidor já não consegue mais desempenhar o seu trabalho e teme ser punido com uma aposentadoria compulsória, que não garanta o seu sustento.
Represálias dentro da corporação
Em relação aos assédios moral e sexual, Wemerson revela como é difícil denunciar. "É complicado comprovar um caso de assédio. Casos como o da Rafaela, que teve uma robustez de provas, são raros”, afirma.
O servidor ainda revela que muitas vezes os policiais procuram um serviço psicológico particular, mas que o afastamento não é respeitado pela corporação. “Quando os colegas têm um pedido de afastamento, eles têm que passar por um perito da Polícia Civil. São servidores que não são da área da psicologia. Então, muitas vezes eles não aceitam o pedido de afastamento ou reduzem o tempo. Ao invés do policial ficar afastados por 15 dias, como recomendado pelo psicólogo, eles dão afastam por apenas cinco, por exemplo”, conta.