De um lado, motoristas de aplicativo aproveitam a rotina para falar sobre o trabalho, oportunidades, renda e perrengues durante as corridas. Do outro, condutores que se aproveitam do celular no painel do carro e transmitem as corridas na internet. Em vários vasos, o passageiro costuma nem ficar sabendo que estava sendo gravado, e essa transmissão pode acabar tornando públicas conversas particulares. Em São Paulo, a prática parece mais popular, mas em Belo Horizonte há alguns exemplos.
Em um dos vídeos, uma passageira confessa sair escondida de casa, pois não quer que a vizinha a incomode pelo fato de ela ser garota de programa. Em outro, em São Paulo, o motorista mostra histórias sexuais que uma suposta transexual conta em conversa durante a viagem. Em ambos os casos, o rosto e o nome das pessoas não são divulgados. A imagem também não mostra se houve autorização para a postagem.
Segundo o professor de Direito Constitucional e Conselheiro da OAB Minas Bruno Burgarelli várias leis têm artigos que vão contra esta prática. Além disso, os códigos de conduta dos aplicativos proíbem violações que expõem passageiros sem consentimento.
“Uma vez que o código de conduta é violado, obviamente, há punições para passageiro ou para o motorista. Dentre essas questões, estão: a violação do espaço individual e violação dessas questões pessoais. Ou seja, é necessário o consentimento, seja por escrito ou de outra forma inequívoca”, explicou.
O especialista em trânsito, Silvestre Andrade, diz que o uso de celular na direção é permitido passivamente, como GPS, por exemplo. Para uma live, se é necessário mexer no aparelho, é perigoso. “Se você faz uma live, eventualmente, tira a mão do volante para interromper a gravação ou para interagir com outras pessoas. É proibido dirigir utilizando o celular e, muito menos, quando você tem que manipular o aparelho”, disse.
Ian Rocha, na internet conhecido como Motorista Seis Estrelas, é influenciador e youtuber. Ele é de BH e tem mais de 50 milhões de visualizações. Em suas transmissões, dá dicas de faturamento, segurança e outras focadas em ajudar motoristas.
“O foco do meu canal nunca foi fazer live com passageiro, mas eu senti uma demanda reprimida de motoristas que queriam saber como era o meu atendimento. Então, decidi fazer algumas lives. Eu sempre gravo com a câmera para dentro do carro quando não estou com passageiro. Assim que o passageiro entra, jogo a câmera para frente, aviso que tenho um canal no YouTube e se ele gostaria de participar da transmissão”, contou.
Em nota, a plataforma 99 diz que o motorista parceiro tem liberdade para realizar atividades durante as viagens, desde que estejam dentro da lei. Reforça a proibição do uso de celular na condução, e diz que a plataforma tem recurso de gravação de áudio das viagens por segurança, e que tudo é armazenado e não publicado.
O Detran, por nota, diz que o código de trânsito brasileiro prevê multa por falta de atenção, e que manusear telefone na direção é infração gravíssima. Reforça que o motoriza deve prezar pela direção defensiva.
Uber
Procurada pela reportagem, a Uber também se manifestou por meio de nota (confira na íntegra abaixo).
“De acordo com o Código de Conduta da Comunidade Uber, os motoristas parceiros têm permissão para instalar câmeras ou utilizar dispositivos de gravação de imagens para fins de segurança e são claramente instruídos a como tratar tal tema do ponto de vista de respeito à privacidade do usuário. Isso inclui a proibição expressa de gravar viagens a fim de publicá-las nas redes sociais ou em qualquer outro fórum público. Tal prática é uma clara violação do Código de Conduta e pode levar à desativação dos envolvidos”.