Quando a gente fala que tem alguém passando fome, qual a imagem que vem à sua cabeça? Uma família, talvez crianças... e você consegue visualizar onde isso acontece? Pensa em locais mais afastados das grandes metrópoles? Talvez cidadezinhas do sertão? Está sempre longe da sua casa? Ou está aí, do seu lado?
Se você, como muita gente, pensa que a fome não está do seu lado, no seu bairro, na casa do seu vizinho... está enganado. A dona de casa Andréa da Costa Silva da Silveira, de 38 anos, sabe bem disso. Pra quem acha que a fome não está por perto, ela responde: não é assim.
“Às vezes, o seu vizinho está passando necessidade, né? Eu já fiquei quase um mês sem gás. Eu ficava pedindo para um para vizinho esquentar água para fazer o leite. Ou eu tirava água do chuveiro. As pessoas passam necessidade ao lado da gente”, disse.
Pandemia ajudou a colocar comida no prato
Mãe de seis filhos com idades que variam de 4 meses a 15 anos, Andréa vive em um barracão pequeno no bairro Tupi B, região Norte de BH. Ela deixou a família no Acre há quatro anos e veio para Minas, para morar com o antigo companheiro. Ainda grávida, começou a ser agredida e saiu de casa. Desde então, as dificuldades a impedem até mesmo de garantir comida para os filhos.
Até que isso aconteça, Andréa conta com a ajuda de pessoas que apareceram na vida dela nos últimos anos. Se a pandemia, por um lado, piorou a condição financeira de muita gente, por outro, garantiu ajuda a quem precisa.
“Por conta da pandemia, apareceram as meninas e uma ONG. Graças a Deus, a gente não passa necessidade por conta delas. Elas me ajudaram demais em relação à alimentação dos meus filhos, como, leite e ajudaram com doação de roupas”, explicou.
“A gente já chegou a passar fome. Já teve dia que a gente não tinha nada, não tinha o que comer. A gente já passou por momentos muito difíceis e eu não queria falar pra minha família. Minha família não tem condições. Então, eu também prefiro ficar calada”, relatou.
Como disse lá na década de 1950 a escritora Carolina Maria de Jesus: “Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago”. O mais difícil nisso tudo, é quando além de você, o seu filho só tem ar dentro do estômago. Em 2022, ainda é assim. É pra Andréa e pra muitas outras mães ao nosso redor.
“Eles já me pediram coisas que não temos. Eu gosto muito de iogurte e fruta, né? Não dá mais para ter. Bate um desespero. A gente não sabe o que fazer. Eu falei para os meus filhos, eu já tive momentos de passar necessidade. Eu já morei em um orfanato... Morei muito tempo, dos nove aos 15 anos. Eu não queria isso para eles. Eu vim para cá em busca do melhor. Mas, me senti um pouco culpada de ter trago eles para passar necessidade junto comigo”, explicou.
Com tantas crianças para cuidar, Andréa não consegue trabalhar e se mantém com o pouco que consegue. “Temos o auxílio do Brasil e vivo de doações, até eu conseguir trabalhar. Estou esperando que os meninos crescem um pouquinho”, contou.
Dias melhores
Como diria a escritora Carolina Maria de Jesus mais de 70 anos atrás: “Não sei como havemos de fazer. Se a gente trabalha passa fome, se não trabalha passa fome. Mas o povo não deve cansar, não deve chorar. Deve lutar para melhorar o Brasil para os nossos filhos não sofrer o que estamos sofrendo”.
É nessa esperança, de um futuro melhor para os filhos, que Andréa se agarra. Dorme e acorda pensando nisso: em fugir da fome.
“Fico preocupada por como vai ser o outro dia. Peço para Deus, ele é o único que não nos abandona. Fé é o que a gente mais tem nesse lugar. A gente vai pra igreja e não perder a fé por um dia melhor”, contou.
Com fé em dias melhores, muitas famílias tentam superar essa dura realidade onde mais de 125 milhões de brasileiros viviam com algum grau de insegurança alimentar em 2021. Esse número corresponde a quase 60% de toda a população do país. Na comparação com 2020, a insegurança alimentar aumentou em 7,2%. Já em relação a 2018, o avanço chega a 60%.
Amanhã, a gente conta a história da Dona Dinalva. Mãe, avó, lutadora e que que vê a fome atravessando gerações da sua família.