A conselheira tutelar Verônica Oliveira, que acompanhou de perto Gerson de Melo,
No cartão, o jovem de 19 anos revela sonhos simples e profundos.
Em entrevista à Itatiaia, Verônica afirmou que a carta carrega um recado direto à sociedade. “Eu acho que essa carta é muito significativa. O que essas crianças querem não é uma bola que fura no primeiro jogo de futebol, não é uma boneca de R$ 2. Não é disso que essas crianças precisam”, disse.
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Diagnóstico tardio e negligência
Segundo a conselheira, Gerson só recebeu seu primeiro diagnóstico formal em 2023. O documento, datado de 2 de março daquele ano, indicava retardo mental associado a transtorno de conduta e recomendava acompanhamento e assistência contínuos.
“Essas crianças precisam de um olhar humano, para que a gente perceba que o que elas desejam, na verdade, é carinho, amor e o direito de sonhar com uma profissão quando ficarem adultas”, afirmou Verônica.
Em outro trecho do cartão, Gerson agradece por estar “privado de liberdade”, o que, para a conselheira, evidencia o grau de abandono vivido fora das instituições. “Ele preferia estar privado de liberdade porque era ali que ele se sentia seguro, querido. Era onde tinha escola, alimentação e carinho. Isso é muito forte”, lamentou.
Ela também comentou o impacto pessoal da perda. “Doeu muito ler essa carta, cheia de significados e recados. Espero que aqueles que jogaram Gerson na ‘cova dos leões’ leiam e consigam dormir.”
“Não consegui chorar, eu gritei”
Ela também falou sobre o momento em que recebeu a notícia da morte
“Receber a notícia da morte dele foi algo que eu já esperava, diante de tudo o que a gente via, mas todas as noites eu pedia a Deus que isso não acontecesse. O que mais me marcou foi a forma como ele morreu”, contou.
Segundo ela, a reação foi diferente do esperado. “Eu ainda não consegui chorar. Minha terapeuta disse que isso é normal. Eu reagi de outra forma: eu gritei. Sempre dizia aos psiquiatras para rezarem para que ele não morresse antes de mim, porque, se isso acontecesse, eu não ficaria calada.”
“Cumpri meu papel”
Verônica afirma que, profissionalmente, carrega sentimentos mistos. “Eu sinto que cumpri meu papel nesses oito anos de luta, não só por Gerson, mas por todas as crianças e adolescentes que passaram pelo meu plantão.”
Ela admite impotência diante do desfecho, mas reforça o compromisso com a defesa de direitos. “Acima de tudo, eu me encontro no lugar do zelo pelo cumprimento do direito.”
Segundo a conselheira, a morte de Gerson marca uma virada em sua atuação. “Ele vai me tirar de uma luta mais fechada para uma luta mais aberta. Vou continuar como sempre estive no Conselho Tutelar, sem me calar diante de injustiças e, principalmente, de negligências institucionais.”
No cartão, Gerson encerra com uma mensagem simples: deseja a todos um feliz Natal e um próspero Ano Novo. Um desejo que, agora, ecoa como apelo pela humanidade.