Morto por leoa: médico explica fatores que podem levar jovem a situações como a de ‘Vaqueirinho’

Laudos revelam o histórico clínico do jovem Gerson de Melo; psiquiatra do Instituto Raul Soares explica a condição e possíveis fatores envolvidos

Imagens mostram o homem descendo da árvore e sendo atacado pela leoa

Imagens que mostram Gerson de Melo, de 19 anos, o “Vaqueirinho”, atacado e morto por uma leoa após invadir a jaula do animal no zoológico de João Pessoa-PB, nesse domingo (30), circulam nas redes sociais e chocaram o país. À primeira vista, a cena pode parecer um ato de imprudência, mas a atitude chama atenção: transtornos mentais não tratados, abandono familiar e pobreza extrema. O jovem havia recebido diagnóstico de deficiência intelectual e esquizofrenia, além de ter histórico na família.

De acordo com médico psiquiatra e diretor clinico do Instituto Raul Soares, professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Lauro Eustáquio, a deficiência intelectual e esquizofrenia são doenças diferentes, mas que podem coexistir. “A deficiência intelectual é um atraso do desenvolvimento — a pessoa já nasce com ela. Já a esquizofrenia se desenvolve ao longo da vida”, explicou.

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O que é esquizofrenia

A esquizofrenia é uma doença do cérebro caracterizada por delírios (crenças falsas e fora da realidade), alucinações (como ouvir vozes) e comportamento estranho ou desorganizado. Segundo o especialista, não há cura. “Com medicamentos e terapia ocupacional, a grande maioria dos pacientes apresenta melhora e pode levar uma vida quase normal”, afirmou.

Segundo a conselheira tutelar Verônica Oliveira, em entrevista ao UOL nesse domingo (30), que acompanhou “Vaqueirinho” durante oito anos, o jovem era filho de uma mãe com esquizofrenia e neto de avós que também tinham comprometimentos mentais.

“A doença costuma surgir por volta dos 20 anos e tem forte carga genética”, disse o especialista.

Em casos graves de surto psicótico, o psiquiatra deve avaliar o paciente e indicar o tratamento adequado, que pode ser ambulatorial, em regime de hospital-dia (como CAPS e Cersams) ou exigir internação hospitalar, ou em clínica psiquiátrica.

Sonhava em se tornar domador de leões

Vídeos que circulam nas redes sociais registraram o momento em que “Vaqueirinho” escala o muro da jaula onde a leoa estava. Em determinado ângulo, o rapaz aparece andando sobre uma tela de proteção; segundos depois, visitantes do zoológico o filmam já pendurado em uma árvore que dava acesso à jaula.

Logo depois, ele continua descendo pela árvore até que a leoa o ataca pelas pernas. Segundo Lauro Eustáquio, essa falta de percepção de perigo pode ser um sinal do estado em que ele se encontrava.

O psiquiatra explica que o tratamento serve justamente para “trazer o paciente de volta para a realidade”, mas cada pessoa reage de um jeito. “O tratamento é para isso, porém cada um tem um grau diferente de resposta”, afirmou. Em entrevista, Verônica contou que ele cresceu sem apoio familiar e que sonhava em viajar para a África para se tornar domador de leões.

Somente em 2023, Gerson recebeu o que seria seu primeiro laudo. A coluna do Carlos Madeiro, do UOL, teve acesso ao documento, que apontou hipótese de retardo mental com transtorno de conduta e recomendou atenção integral.

''O paciente evolui com comportamento disruptivo e dificuldades adaptativas. Segue com oscilações de humor, labilidade afetiva, agitação psicomotora e impulsividade. (...) Recomenda-se tratamento multidisciplinar em saúde mental, sob supervisão e regime integral'', afirma o documento.

Abandono

Os relatos da assistente social expõem uma trajetória marcada por pobreza extrema, transtornos mentais não tratados e abandono familiar. Para o psiquiatra, esses são pontos cruciais e interligados.

Para Lauro Eustáquio, o fechamento de hospitais psiquiátricos sem a devida implantação de alternativas eficazes e de qualidade é um fator que contribui para tragédias como a ocorrida.
“Muitos CAPS e Cersams são precários em diversas cidades”, finalizou.

Formou-se em jornalismo pela PUC Minas e trabalhou como repórter do caderno de Gerais do jornal Estado de Minas. Na Itatiaia, cobre principalmente Cidades, Brasil e Mundo.
Formada em jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), já trabalhou na Record TV e na Rede Minas. Atualmente é repórter multimídia e apresenta o ‘Tá Sabendo’ no Instagram da Itatiaia.

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