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É fraude: como vídeos manipulados com Inteligência Artificial exploram suas emoções para aplicar golpes

Vídeos que circulam nas redes sociais utilizam imagens de autoridades, famosos, crianças e ONGs para aplicar golpes usando IA; especialista explica como diferenciar Inteligência Artificial do real

Vídeo publicado no Facebook usa Inteligência Artificial para aplicar golpes utilizando nome de falsa ONG.

Famosos, crianças e até falsas ONGs estão sendo cada vez mais usados em anúncios falsos criados por criminosos com o uso da Inteligência Artificial. Os golpistas aproveitam-se da tecnologia para lucrar nas redes sociais com anúncios falsos que funcionam como armadilhas para enganar pessoas. Nas publicações, por exemplo, no Facebook, um vídeo postado por uma falsa ONG ‘Gente do Bem’, com mais de 1,6 mil seguidores, um policial militar diz que precisou se desligar da corporação após a filha de menos de dois anos precisar de um tratamento e a Justiça negar. O vídeo, falso, é apenas um dos milhares que circulam na internet.

Nas imagens é possível ver diversos erros gerados pela Inteligência Artificial - o nome da corporação que aparece na farda, imagens diferentes do bebê e palavras distorcidas. A publicação tem mais de 1,5 mil curtidas. A reportagem entrou em contato com a ONG citada, mas não obteve retorno.

Titular da Delegacia Especializada na Investigação de Crimes Cibernéticos da Polícia Civil de Minas Gerais, o delegado Arthur Benício reconhece que “a crescente sofisticação de tecnologias, como deepfakes, perfis falsos, uso de VPNs e redes anônimas, impõe novos desafios para a identificação da veracidade dos fatos e para a responsabilização criminal dos autores”. No âmbito de golpes envolvendo IA cometidos pelas redes sociais, a pena pelo crime pode ser de até 8 anos.

Usuários das redes sociais comentam nas publicações da falsa ONG que utiliza falsos vídeos criados por Inteligência Artificial.

Ainda conforme ele, a polícia “tem investido de forma contínua na capacitação dos servidores, por meio da oferta de cursos de aperfeiçoamento aos servidores, bem como através da aquisição de softwares que auxiliam na investigação e no desempenho da inteligência policial”, detalha.

Como diferenciar o que é IA e o que é real?

Segundo o professor, pesquisador e chefe do departamento de Engenharia de Computação da PUC Minas, Sandro Jerônimo, é preciso observar a implausibilidade do que estamos vendo, além das distorções físicas, reflexos distorcidos, olhos, boca e principalmente no áudio artificial.

“No artigo de 2024 de pesquisadores da Northwestern University, intitulado “How to Distinguish AI-Generated Images from Authentic Photographs”, os autores sugerem pensarmos na implausibilidade do que estamos vendo em imagens, como forma de diferenciar se aquilo é falso ou não. Infelizmente, esses avanços também têm sido utilizados além do propósito de ajudar”, explica ele.

O professor destacou também que, à medida que as técnicas de IA se tornam mais sofisticadas, as falhas mais óbvias vão sendo corrigidas. Os vídeos e imagens gerados mais recentemente conseguem enganar até mesmo olhares mais experientes. Quando isso acontece, o ideal é adotar uma postura mais analítica, prestando atenção a sinais mais sutis como:

  • Olhos e boca: em vídeos falsos, os olhos podem piscar de maneira estranha, parecer sem vida ou mal sincronizados. A boca pode ter movimentos levemente desajustados em relação à fala.
  • Expressões repetitivas: muitos vídeos gerados por IA têm movimentos faciais ou corporais que se repetem ou parecem “robóticos”.
  • Áudio artificial: apesar de ser cada vez mais natural, vozes geradas por IA ainda podem soar planas, com entonações inusitadas ou sem emoção verdadeira.
  • Distorções de cores e texturas nas imagens, especialmente em áreas como fundo, mãos e dentes.
  • Sempre que possível, procure a fonte original do vídeo e veja se a informação aparece em veículos confiáveis.
  • Sempre que possível, procure a fonte original do vídeo ou imagem e verifique se a informação também aparece em veículos de confiança.
  • Para quem deseja investigar com mais profundidade, existem várias ferramentas disponíveis online — algumas inclusive em forma de plugins para navegadores — que ajudam a identificar imagens e vídeos gerados por IA. Essas ferramentas analisam inconsistências nos quadros do vídeo, ruídos digitais e outros padrões. Quanto mais avançada for a análise, mais confiável tende a ser — mas, geralmente, isso também significa maior custo.

Jerônimo destacou também que a tendência é que as tecnologias de Inteligência Artificial continuem evoluindo. Diante disso, os investimentos e promoções devem estar voltados cada vez mais para a alfabetização digital.

“As tecnologias de inteligência artificial continuarão evoluindo. Essa “visão holística” permitirá tanto a criação de conteúdos enganosos mais convincentes quanto a detecção mais eficiente desses conteúdos. Diante disso, precisamos estar atentos e promover a alfabetização digital. Não é necessário que todos se tornem especialistas ou cientistas de dados, mas cidadãos digitais, capazes de reconhecer os riscos, verificar a veracidade das informações e utilizar a tecnologia com consciência”, pontua.

Crimes e penas envolvendo Inteligência Artificial

Segundo dados divulgados pela Polícia Civil, mais de 43.300 casos de estelionato foram registrados em Belo Horizonte. Os crimes relacionados à Inteligência Artificial se enquadram nessa tipologia. Os dados são de janeiro de 2019 até esta quarta-feira (24). Por dia, pelo menos 31 pessoas foram vítimas de estelionato.

Especificamente no âmbito de golpes envolvendo IA, entretanto, com o intuito de ridicularizar, humilhar, ameaçar e limitar o direito de ir e vir de mulheres, a pena de reclusão é de 6 meses a 2 anos, podendo ser aumentada de metade nesse contexto. Já se o autor do crime buscar fazer montagem com o intuito de inserir uma pessoa, adulta, em cena de nudez ou ato sexual, ou libidinoso, pode incorrer no art. 216-B do Código Penal, com pena de detenção, de 6 meses a um ano, e multa.

Caso tal simulação de cena de sexo ou pornográfica por meio de montagem seja de criança ou adolescente, incorrerá no crime previsto no art. 241-C do ECA, com pena de reclusão, de 1 ano a 3 anos, e multa.

As maiores vítimas de estelionato na capital mineira são pessoas de 30 a 39 anos, sendo 2,10%. Em segundo lugar aparecem as pessoas de 40 a 49 anos, com 1,86%, seguidas por idosos com 60 anos ou mais, sendo 1,82%.

Conforme o delegado Arthur Benício destaca ser “essencial que a sociedade colabore, evitando disseminar conteúdos sem origem confiável e denunciando condutas suspeitas. Além disso, constantemente dicas básicas visando não cair em fraudes digitais, seja através da utilização de IA ou não, são divulgadas pela polícia.”

Confira as dicas apresentadas pela polícia:

  • Educação: Esteja informado sobre as tecnologias de IA e seus usos éticos. Conhecimento é poder quando se trata de identificar possíveis ameaças. Disseminar a disciplina de ética e cidadania digital e segurança digital na formação das pessoas, de âmbito preventivo, fomentadas também pelo Estado. Campanhas educativas tanto para a ética quanto para a segurança digital
  • Segurança Cibernética: Mantenha o software e dispositivos atualizados, use autenticação em dois fatores, utilize senhas fortes e evite clicar em links suspeitos ou abrir anexos de e-mails desconhecidos;
  • Ao consumir informações online, verifique sempre a credibilidade da fonte para evitar ser enganado por deepfakes ou informações falsas;
  • Se alguém desconhecido lhe enviar um link suspeito, não clique nele. Esses links podem ser usados para obter acesso ao seu dispositivo ou roubar suas informações pessoais;
  • Se você optar por usar aplicativos de sexting, verifique a reputação e a segurança desses aplicativos antes de compartilhar qualquer conteúdo íntimo, evitando-se cair no famoso “golpe do amor”. Leia avaliações e pesquise sobre o aplicativo antes de usá-lo;
  • Verifique suas configurações de privacidade em redes sociais e aplicativos de mensagens. Certifique-se de que apenas pessoas confiáveis possam ver suas postagens e informações pessoais;
  • Se você for vítima de um golpe ou souber de alguém que esteja sendo alvo, denuncie a situação para a polícia ou autoridades competentes. Eles podem ajudar a investigar o caso e tomar medidas adequadas.
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Formada em jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), já trabalhou na Record TV e na Rede Minas. Atualmente é repórter multimídia e apresenta o ‘Tá Sabendo’ no Instagram da Itatiaia.