Uma grande movimentação nas redes sociais em torno da jornada de trabalho está provocando uma discussão que pode alterar direitos dos trabalhadores no Brasil. O tema da redução da escala partiu do projeto idealizado pelo vereador recém-eleito Rick Azevedo (PSOL-RJ) foi levado à Câmara dos Deputados pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), e que propõe o fim da escala 6×1.
O texto já contava com 194 assinaturas no sistema interno da Câmara no início da manhã desta quarta-feira (13). Para ser protocolada, uma PEC precisa de ao menos 171 signatários.
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Uma vez protocolada, a proposta começará a ser discutida na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara. Segundo o projeto, a duração do trabalho não poderá ser superior “a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana”.
Atualmente, a Constituição define que a jornada de trabalho no Brasil não pode exceder oito horas diárias e 44 horas semanais. Mas, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não prevê, especificamente, modelos de escala de trabalho, como essas horas são distribuídas hoje, além da escala 6x1?
A Itatiaia conversou com o advogado Gabriel Januzzi, mestre em Direito do Trabalho, para tirar as dúvidas de como funcionam as modalidades hoje, o que mudaria, e quais são os possíveis ganhos e perdas com a implementação do novo regime — caso aprovado.
Quais são os tipos de escala de trabalho permitidas no Brasil?
Januzzi explica que, atualmente, no Brasil, a Constituição Federal autoriza uma jornada de 8 horas diárias e 44 horas semanais, com direito a um dia de descanso semanal, preferencialmente aos domingos.
“A forma mais tradicional de organizar a jornada de 44 horas é o regime 6x1, normalmente distribuída das seguintes formas: o trabalhador cumpre 8 horas diárias de segunda a sexta-feira e 4 horas no sábado, ou ele trabalha 7h20 de segunda a sábado”, explicou.
No entanto, conforme o advogado, a CLT autoriza o regime de compensação de jornada, com o aumento da carga horária em um dia para ser compensado com folga em outro, o que abre a possibilidade para outras formas de organização da jornada.
“Outra forma bastante utilizada é a jornada de 5x2, onde o trabalhador trabalha 8 horas e 48 minutos por dia, de segunda a sexta-feira, ou ainda 9 horas por 4 dias e 8 horas em 1 dia na semana, compensando com folga no sábado, totalizando as 44 horas na semana”, acrescentou.
O especialista ainda destacou que a CLT autoriza a jornada 12x36, em que o empregado trabalha por 12 horas e ganha 36 horas consecutivas de folga. “Essas são as escalas de trabalho autorizadas por lei. Outros regimes distintos de plantão dependem de negociação coletiva”, finalizou.
Quais seriam os principais impactos sociais e econômicos da alteração do limite semanal da jornada de trabalho?
Segundo o mestre em Direito do Trabalho, para que a redução da jornada de trabalho traga ganhos reais sem prejudicar a economia, “o aumento da produtividade é crucial”.
“No entanto, o Brasil enfrenta alguns desafios estruturais que tornam essa tarefa mais complexa. A economia brasileira é fortemente baseada em atividades de menor valor agregado, como a produção de commodities e serviços de baixa sofisticação tecnológica. Setores como construção civil e comércio são grandes empregadores, mas são trabalhos de baixo valor agregado. Para aumentar a produtividade, é necessário investir em tecnologia, automação e capacitação da força de trabalho”, avaliou.
Contudo, historicamente, segundo o especialista, o Brasil tem baixos índices de investimento em pesquisa e desenvolvimento, dificultando a transição para uma “economia mais sofisticada”. Isso, na visão dele, sem contar com os desafios significativos no que diz respeito à qualidade da educação e à preparação da mão de obra para os setores mais avançados da economia.
“Para que a redução da jornada seja economicamente sustentável, o Brasil precisaria sofisticar sua economia, movendo-se para atividades de maior valor agregado, como tecnologia, manufatura avançada e serviços especializados. Isso exigiria investimentos em inovação, educação e capacitação profissional, permitindo que a mão de obra se torne mais qualificada e, portanto, mais produtiva”, disse.
Quais trabalhadores seriam beneficiados pela proposta? E quais seriam mais prejudicados?
Conforme o especialista, os mais beneficiados seriam os trabalhadores de setores com alta exigência física e mental, tais como profissionais da saúde e da educação. “Setores que tradicionalmente sofrem com alta rotatividade de empregados, como a construção civil, também poderiam se beneficiar de uma redução no turnover se a jornada mais curta resultasse em melhores condições de trabalho”, avaliou.
Por outro lado, de acordo com o advogado, a implementação pode gerar efeitos colaterais para profissionais de setores de mão de obra intensiva. “Empregados em fábricas, indústrias de produção contínua e grandes redes de varejo podem ser afetados pela necessidade de aumentar a força de trabalho para cobrir as horas perdidas, resultando em custos adicionais para as empresas, que podem optar por automatizar funções ou reduzir postos de trabalho. Além disso, setores que operam com margens de lucro reduzidas, ilustrativamente, pequenas e médias empresas de setores como comércio, serviços de alimentação e hospitalidade, podem ter dificuldade em absorver o aumento dos custos trabalhistas, levando a ajustes como redução de benefícios, aumento de preços para o consumidor ou mesmo demissões”, finalizou.