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Um Natal Comunista

Suspeito que há mais de “comunismo” no tio do zap e mais de “crença metafísica” na sobrinha feminista do que pode compreender a nossa vã filosofia; entender isso pode salvar a nossa Ceia

Aproximam-se as Festas. Eis o tempo em que a gente consegue ser bom

Aproximam-se as Festas. Eis o tempo em que a gente consegue ser bom. Ou pelo menos conseguia até cairmos nessa idiotice de que tudo se resume a política. Aliás, quando a Ceia de Natal se torna uma questão política, significa que junto com o pernil se desidratou algo de mais verdadeiro e profundo, que o bom senso pediu licença e foi embora.

O clima de Fim de Ano, no geral, é muito gostoso. Em primeiro o Natal, um tempo sagrado e tão doce, como lembra Marcelo na peça Hamlet. Depois o Ano Novo, todo mundo, sobre efeito do etílico, se abraçando, de branco (até crente veste branco!), um pouco por causa da paz, um pouco por causa da Umbanda. O que acho bom! Porque penso que a vodka costuma fazer mais pela unidade universal do que muito culto, “rezação” e do que Marx.

Isso mesmo. Não raro nos Templos e nas Salas de Aula em que se ensina Marx sobra “amor abstrato” pelo sofrimento humano. Penso que a gente tá sofrendo de mais “querendo ser bom”. E, por isso, está tudo indo por água a baixo com muita gente iludida com as próprias virtudes, se julgando paladina de um mundo melhor, amando a “família” e as toras de árvore da Amazônia (mesmo sem fazer a mínima ideia de onde ela fica no Mapa) e fazendo um inferno da vida da vizinha.

Suspeito que há mais de “comunismo” no tio do zap e mais de “crença metafísica” na sobrinha feminista do que pode compreender a nossa vã filosofia. Entender isso pode salvar a nossa Ceia: seja Marx, seja Che, seja Orbán ou Trump (cada um com seus correlatos no Brasil), todos são marqueteiros

Ao fim e ao cabo, seja quem tem complexo de “nunca antes”, seja quem tem tara com o “globalismo”, são todos meninos. Homens velhos com traumas e vícios de criança.

A questão não é política, é terapêutica e metafísica. Pensar a vida em termos socio-construtivistas de vez em quando nos faz bem. Mas se é demais, nos deixa amargos.

Não é possível ser humano sem se perguntar como o Natal não é o mesmo para as crianças do Alphaville e para as que passam fome. A umas, o Natal é a festa das luzes, é um dos momentos memoráveis, mágicos e caros, de quem nunca fará ideia do que é o Anel Rodoviário. A outras, o fim do Ano é tempo de acirrar desigualdades. Nele fica ainda mais nítido que ser feliz com dignidade é, sim, um privilégio de poucos, nele fica patente que em muitos lares se endivida no almoço para comprar a ceia.

A vida não se resume ao debates no Congresso. Não é gritando a todos os cantos as dores do mundo ou escrachando a moral (que sim, às vezes é hipócrita) que teremos um planeta melhor. E porque? Por que a serpente mora no jardim. Lá onde a gente se ilude achando que problema é o capital, a burguesia, a “ideologia”, podemos nos surpreender com a nossa própria capacidade de sermos mesquinhos e perversos. Basta virar encarregado. Não há senso de classe que sobreviva a descobrir quantas portas abre uma Armani. Quem não descobriu isso ou é um ingênuo ou é um cretino...

A questão não é política, é terapêutica e metafísica. Boa parte dos nosso debates são falta de Divã. Boa parte do tempo nossa criança interior vem para fora fazendo pirraça. Hora agitada pelo medo que essa mudança de época ou época de mudança nos causa, hora ignorando que essa histeria ideológica atual e essa tara pelo coletivo são filhas bastardos de uma moral “cristã” puritana, jansenista. Essa que se faz sentir na assepsia do outro, em que se protege tartarugas de Noronha ao mesmo tempo em que se defende, irrestritamente, o aborto.

Quem nos salvará do sequestro da sensibilidade do cidadão de bem? Quem nos vai avisar que DCE só pode fazer um mundo melhor quando quem o frequenta souber que vida adulta passa por saber a importância de arrumar a cama?

Deus nos recobre a consciência de meninos. A gente quis ser adulto, racional, teórico e não tá dando certo... Vamos à manjedoura, procurando ter em nós os mesmos sentimentos do Menino. Ele, embora sendo divino, se esvaziou (Fl 2). De rico que era, se fez pobre (2 Cor 8,9).

O Natal é sagrado e doce, precisamente, por ser uma festa de crianças, para crianças. Nela Deus se fez menino... Crianças são inocentes, disponíveis, curiosas, menos abstratas. Talvez isso hoje nos falte. Estamos iludidos demais, suspeitando de planos perversos, ensurdecidos por algoritmos e certezas, sonhando “alto”, enquanto o Verbo, de elevado, quis aterrissar, se fazer carne (Jo 1,14).

Talvez um pouco de inocência, de simplicidade, de “porre” salve, neste ano, a nossa ceia. E se atrás das piadas do tio reaça, ou na rebeldia da sobrinha estagiária de humanas só houver uma criança pedindo colo? Talvez a gente descubra que a contemplação silenciosa da alegria dos guris abrindo presentes, que um sorriso no canto da boca, que um pouco de vodka faz mais pela nossa família e pela humanidade do que muito sermão, culto e, inclusive, Karl Marx e seu “comunismo”...

Se vermelha, se verde, se amarela: videamus stellam (vejamos a estrela!)

Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.